Interpretação do hemograma e do mielograma na criança
Diferenças entre o hemograma e o mielograma1 da criança e do adulto
O hemograma é um exame de sangue2 periférico que avalia os componentes celulares do sangue2, incluindo eritrócitos3 (hemácias4), leucócitos5 (glóbulos brancos) e plaquetas6, além de parâmetros como hemoglobina7, hematócrito8 e índices hematimétricos, como VCM (volume corpuscular médio), HCM (hemoglobina7 corpuscular média) e CHCM (concentração de hemoglobina7 corpuscular média). Ele é amplamente utilizado para triagem e diagnóstico9 de anemias, infecções10, neoplasias11 hematológicas e outras condições sistêmicas.
Recém-nascidos apresentam valores de hemoglobina7 mais altos (14–20 g/dL) devido à maior necessidade de oxigênio no período fetal, caracterizando uma policitemia12 fisiológica13. Após o nascimento, há queda natural nos níveis de hemoglobina7, atingindo o nadir fisiológico14 por volta dos 2–3 meses (9–11 g/dL), conhecido como anemia15 fisiológica13 do lactente16. Em adultos, os valores de hemoglobina7 estabilizam-se (homens: 13–17 g/dL; mulheres: 12–16 g/dL). Crianças em crescimento, especialmente após os 6 meses, podem apresentar valores ligeiramente inferiores aos de adultos devido à rápida expansão do volume sanguíneo e à demanda por ferro.
Quanto aos leucócitos5, recém-nascidos podem ter contagens entre 9.000–30.000/mm³, reduzindo para 5.000–15.000/mm³ na infância, em contraste com os valores de adultos (4.000–11.000/mm³). A proporção diferencial também varia: observa-se linfocitose relativa em crianças pequenas (até 60–70% dos leucócitos5), com inversão gradual até os 5–6 anos, quando passa a predominar a neutrofilia característica do adulto (50–70%).
As plaquetas6 apresentam valores semelhantes aos de adultos (150.000–450.000/mm³), mas recém-nascidos podem ter trombocitopenia17 leve transitória, especialmente em prematuros. O VCM é mais alto em recém-nascidos (90–120 fL), devido à presença de macrócitos fetais, reduzindo-se progressivamente para valores próximos aos de adultos (80–100 fL).
O mielograma1 é um exame invasivo que avalia a medula óssea18, geralmente obtida por punção da crista ilíaca posterior (preferida em crianças) ou do esterno19, com o objetivo de estudar a produção e a maturação das células20 hematopoiéticas. É indicado em casos de alterações hematológicas graves, como anemias inexplicadas, leucemias, pancitopenias ou suspeita de infiltrações medulares.
A medula óssea18 de crianças é mais celular (hipercelularidade fisiológica13) devido à intensa hematopoiese necessária para o crescimento. Em adultos, a medula21 tende a ser menos celular, com aumento progressivo da gordura22 medular (cerca de 50% em adultos jovens, aumentando com a idade). A relação mieloide:eritroide varia entre 2:1 e 4:1 tanto em crianças quanto em adultos, podendo se alterar conforme demandas fisiológicas23 ou patológicas.
No contexto pediátrico, o mielograma1 é mais frequentemente indicado em casos de leucemias agudas (como a leucemia24 linfoblástica aguda, mais prevalente na infância) ou anemias graves (ex.: anemia15 aplástica). Em adultos, predominam indicações como síndromes mielodisplásicas, leucemias crônicas e mieloma25 múltiplo. Em lactentes26, pode ser necessária a punção da tíbia27, um procedimento incomum em adultos.
Veja sobre "Composição e funções do sangue2", "Leucemias", "Leucemia24 linfocítica aguda (LLA)" e "Leucemia24 linfocítica crônica (LLC)".
Principais alterações do hemograma e do mielograma1 na criança
A interpretação do hemograma pediátrico deve sempre considerar valores de referência ajustados à idade. Entre as alterações mais comuns estão:
- Anemia ferropriva28: comum entre 6 meses e 3 anos; hemograma mostra hemoglobina7 baixa, VCM reduzido (microcitose), HCM baixo (hipocromia29) e RDW elevado.
- Anemia megaloblástica30: associada à deficiência de vitamina31 B12 ou folato; apresenta VCM elevado (macrocitose) e neutrófilos32 hipersegmentados.
- Anemias hemolíticas: por hemoglobinopatias33 ou causas autoimunes34; mostram anemia15 normocítica, reticulocitose e alterações morfológicas (ex.: esferócitos35, drepanócitos).
- Anemia15 aplástica: caracterizada por pancitopenia36, geralmente secundária a infecções10 virais ou exposição a toxinas37.
- Leucocitose38: reativa, mais acentuada em crianças; ocorre em infecções10 bacterianas (neutrofilia) ou virais (linfocitose).
- Leucopenia39: pode indicar infecções10 virais graves, quimioterapia40 ou infiltração medular.
- Desvio à esquerda: aumento de formas imaturas (bastões), indicativo de infecção41 aguda ou estresse medular.
- Blastos no sangue2 periférico: altamente sugestivos de leucemia24.
- Trombocitopenia17: frequente em púrpura42 trombocitopênica idiopática43, infecções10 virais ou quimioterapia40, associada a petéquias44 e equimoses45.
- Trombocitose46 reativa: geralmente secundária a infecções10, inflamações47 ou anemia ferropriva28.
No mielograma1, os principais achados em pediatria incluem:
- Leucemia24 linfoblástica aguda (LLA): hipercelularidade com predomínio de linfoblastos (>20% na medula21), associada a pancitopenia36 periférica.
- Leucemia24 mieloide aguda (LMA): presença de mieloblastos aumentados; pode estar relacionada a síndromes genéticas.
- Anemia15 aplástica: medula21 hipocelular, com redução global das linhagens.
- Doenças infiltrativas: substituição do tecido48 hematopoiético por células20 neoplásicas49.
- Anemia megaloblástica30: presença de megaloblastos e maturação eritroide anômala.
- Síndromes mielodisplásicas: raras em crianças, mas possíveis em casos associados a mutações genéticas; apresentam displasia50 de linhagens celulares.
Considerações na interpretação
A interpretação do hemograma e do mielograma1 na criança exige conhecimento dos valores fisiológicos específicos para cada faixa etária e deve sempre ser correlacionada com o contexto clínico. O estado nutricional, a presença de infecções10 recorrentes, doenças congênitas51 e o histórico familiar são fatores que podem modificar a leitura dos resultados.
O mielograma1, pela sua natureza invasiva, deve ser reservado a situações de real necessidade diagnóstica, quando o hemograma e exames complementares não esclarecem o quadro. A avaliação conjunta com hematologistas pediátricos é fundamental em casos de leucemias, anemias raras ou síndromes complexas.
Leia mais sobre "Leucemia24 mieloide aguda", "Leucocitose38", "Leucopenia39", "Anemia aplásica52" e "Plaquetas6 baixas".
Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente do site da SBP - Sociedade Brasileira de Pediatria.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.