Diferenças entre delírio, delirium e delirium tremens
O que é delírio1?
O delírio1 é uma crença errônea mantida com absoluta convicção de verdade e incorrigível por qualquer demonstração de suas incongruências e impossibilidades. Apesar de o paciente delirante ser completamente lúcido e não sofrer nenhuma alteração quantitativa do nível do seu funcionamento mental, não tem consciência da sua anormalidade, por mais bizarra e estranha que ela seja.
O delírio1 ocorre com frequência em transtornos psicóticos, como a esquizofrenia2, transtorno delirante persistente, episódios maníacos dos transtornos bipolares ou depressão psicótica, entre outras condições. Ao contrário do delirium3, o delírio1 sempre trata de um tema estruturado ao redor de um assunto definido, sendo os mais comuns o delírio1 de perseguição, delírio1 de ciúme, delírio1 de grandeza, delírios somatoformes4, delírio1 amoroso ou um misto desses. Karl Jaspers, importante psicopatólogo alemão, cita três propriedades definidoras dos delírios:
- Convicção absoluta sobre a certeza de suas ideias delirantes, por mais disparatadas e impossíveis que possam ser. É mais fácil levar uma pessoa normal a duvidar de suas ideias habituais que conseguir isso de um delirante.
- Incorrigibilidade: as crenças delirantes não são passíveis de mudança por força de contra-argumentação ou prova em contrário. Uma paciente afirmava estar grávida de Jesus Cristo. Reencontrada 10 anos depois ela ainda mantinha a mesma convicção.
- Impossibilidade ou falsidade do conteúdo: o delirante mantém com naturalidade os conteúdos de suas ideias, mesmo que pareçam às demais pessoas, implausíveis, bizarros ou patentemente inverídicos. Por exemplo: um paciente afirmava delirantemente que seus pensamentos eram controlados por extraterrestres. Além disso, os delírios que começam insidiosamente têm uma tendência a crescer e a se difundir por toda a consciência, tornando-se o centro de gravitação da vida do indivíduo, o qual não tem consciência da anormalidade de sua perturbação.
Saiba mais sobre "Psicoses", "Esquizofrenia2", "Transtorno bipolar", "Depressão psicótica" e "Ciúme normal e patológico".
Até há poucas décadas, os delírios evoluíam quase espontaneamente, contra poucos recursos terapêuticos, e acabavam por se tornarem exageradamente extravagantes e absurdos. Atualmente, há medicações que mantêm os delírios sob controle desde o início e impedem que eles evoluam para formas tão bizarras.
O que é delirium3?
O delirium3 é um estado agudo5 (início rápido, em poucas horas ou dias) de confusão mental devido a um rebaixamento do nível de consciência, organicamente determinado. Inclui déficits de atenção e desorganização do comportamento, déficits cognitivos6 e perceptivos, alterações na excitabilidade (hiperativo, hipoativo ou misto), ciclo alterado de sono-vigília e características psicóticas, como alucinações7 e delírios. O delirium3 em si não é uma doença, mas sim um conjunto de sintomas8 que pode ocorrer em várias doenças. Ele afeta 10-20% de todos os adultos hospitalizados e 30-40% dos idosos hospitalizados, chegando até a 80% dos que estão na UTI.
Leia mais informações sobre "Delirium3 ou Estado confusional".
O delírium pode resultar:
- De uma doença subjacente.
- Do excesso de consumo de álcool ou de drogas administradas.
- De medicamentos administrados durante o tratamento de uma doença.
- Abstinência.
- Outros fatores de saúde9 orgânica.
O delirium3 pode ser causado também por uma doença fora do cérebro10 que, no entanto, afeta esse órgão, como infecção11, doença crônica, alterações metabólicas, medicação, cirurgia, intoxicação ou efeitos e abstinência de álcool ou drogas. O delirium3 pode ainda aparecer em um contexto de doença mental, incapacidade intelectual de base ou demência12, sem se dever a nenhum desses problemas.
Embora alucinações7 e uma ideação semelhante a delírios às vezes estejam presentes no delirium3, estes não são necessários para o diagnóstico13. O delirium3 deve ser por definição causado por um problema estrutural, funcional ou químico fisicamente identificável no cérebro10 e não são processos primariamente mentais, como a esquizofrenia2 ou transtorno bipolar, por exemplo. O delirium3 é a manifestação de uma disfunção orgânica do cérebro10 que leva, entre outras coisas, a uma incapacidade de concentrar a atenção, confusão mental e deficiências da consciência, como desorientação temporal e espacial.
Pode ser difícil diferenciar o delirium3 de vários outros distúrbios psiquiátricos ou síndromes cerebrais orgânicas, porque muitos dos sinais14 e sintomas8 do delirium3 são também presentes nessas outras condições. O tratamento do delirium3 requer o tratamento da causa subjacente. Tratamentos paliativos15 ou sintomáticos devem ser usados para confortar e proteger a pessoa ou permitir outros cuidados necessários (por exemplo, uma pessoa que, sem entender, está tentando retirar um tubo de ventilação16 que é necessário para a sobrevivência17).
O que é delirium tremens18?
O delirium tremens18 é a forma mais grave da interrupção do uso do álcool em um bebedor crônico19, manifestada por um estado mental alterado (confusão mental global) e hiperatividade autonômica, que pode progredir para o colapso20 cardiovascular. O delírium tremens é sempre uma emergência21 médica, com alta taxa de mortalidade22, tornando então essencial o reconhecimento e o tratamento precoces.
Leia sobre "Delirium tremens18", "Alcoolismo" e "Síndrome23 de abstinência".
A ingestão crônica de álcool afeta vários sistemas de neurotransmissores no cérebro10 e durante a abstinência do álcool a excitabilidade excessiva do sistema nervoso24 está relacionada aos efeitos da retirada do álcool. Quando o álcool é retirado, observa-se perda do controle inibitório de neurotransmissores excitatórios e um aumento da atividade desses neurorreceptores excitatórios, resultando nas manifestações clínicas da abstinência.
O delirium tremens18 ocorre de 3 a 10 dias após a última bebida. As manifestações clínicas incluem agitação, confusão global, desorientação, alucinações7, febre25, transpiração26 intensa, taquicardia27, ansiedade, convulsões, hipertensão28 e delirium3.
As complicações do delirium tremens18 incluem: depressão respiratória, parada respiratória, pneumonite29 por aspiração e arritmia30 cardíaca. A mortalidade22 atual para pacientes31 com delirium tremens18 varia de 5-15%, mas já foi de 35%, antes da era da terapia intensiva32 e da farmacoterapia avançada moderna.
As condições mais comuns que levam à morte em pacientes com delirium tremens18 são a insuficiência respiratória33 e as arritmias34 cardíacas. Os pacientes com maior risco de morte são aqueles com febre25 extrema, desequilíbrio hidroeletrolítico35 ou doença intercorrente, como trauma oculto, pneumonia36, hepatite37, pancreatite38, cetoacidose alcoólica ou síndrome23 de Wernicke-Korsakoff. Episódios passados de abstinência levam ao aumento da frequência e gravidade de episódios futuros.
Veja também sobre "Insuficiência respiratória33", "Arritmias34 cardíacas", "Depressão" e "Urgências psiquiátricas".
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.