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Eventos trombóticos na Covid-19

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A Covid-19 pode predispor à trombose1 venosa ou arterial, causando hipóxia2 e quadro de coagulação3 intravascular4 disseminada. Isso pode acontecer mesmo depois que o vírus5 tenha sido eliminado. Acrescente-se ainda que nos pacientes internados há também o fator de imobilidade no leito.

Necropsias de pacientes que morreram de Covid-19 revelaram que em alguns casos havia intensa trombose1 na microcirculação, levantando à hipótese de que a infecção6 pelo vírus5 causa intensa resposta inflamatória do endotélio7 (revestimento interior dos vasos sanguíneos8), com estado de hipercoagulabilidade9 e isquemia10 de órgãos, o que, em conjunto com a hipoxemia11, pode resultar em falência orgânica.

Os números da trombose1 da veia porta12 indicam que a Covid-19 está associada a eventos trombóticos13 não limitados aos vasos cerebrais, sendo capaz de atingir todos os órgãos.

A associação entre Covid-19 e eventos trombóticos13

Associados à doença pulmonar grave, casos de coagulopatia específica da Covid-19 foram relatados pela primeira vez na China e, em seguida, em todo o mundo. Os pacientes que apresentavam sintomas14 de doença mais grave tinham coagulopatia mais pronunciada associada a um pior prognóstico15.

Pacientes graves com Covid-19 são propensos a desenvolver embolia16 pulmonar, trombose venosa profunda17 e trombose1 arterial variada. São descritos também casos de coagulopatia intravascular4 disseminada. O risco trombótico18 parece ser influenciado pela raça e etnia e é significativamente menor em chineses em comparação com indivíduos caucasianos.

As primeiras experiências na província de Wuhan, na China, e depois em outras partes do mundo, relataram uma incidência19 de complicações tromboembólicas em torno de 15% a 85%, dependendo do modo diagnóstico20 e da gravidade da população de pacientes estudados. A natureza dos episódios tromboembólicos nem sempre foi especificada com precisão. No entanto, a multiplicidade desses estudos, combinados com análises post-mortem, levaram a um melhor entendimento da patogênese21 e apoiam fortemente a associação entre Covid-19 e coagulopatia.

Veja também sobre "Deficiência de vitamina22 K", "Trombofilia23" e "Complicações da trombose venosa profunda17".

Qual é a fisiopatologia24 dos eventos trombóticos13 na covid-19?

A fisiopatologia24 dos fenômenos tromboembólicos na Covid-19 tem de ser vista no contexto da inflamação25 arterial e da formação de coágulos. As células26 da imunidade27 inata participam na formação de trombos28 e, por outro lado, as plaquetas29 e os demais fatores de coagulação3 contribuem para a ativação das células26 de imunidade27 inata. As plaquetas29 aderem ao endotélio7 inflamado, contribuindo para a formação de trombos28.

Durante uma fase precoce da infecção6 pode ocorrer coagulação3 intravascular4 disseminada, causada, entre outros fatores, pela supressão da fibrinólise30, devido à hiperprodução do fator inibidor. A fibrinólise30 é o mecanismo pelo qual o organismo normalmente dissolve os coágulos. Na Covid-19 eles se formam não só nos pulmões31, mas também em outros órgãos, como o cérebro32, por exemplo, prejudicando a perfusão tecidual. Um potencial para a formação de fenômenos tromboembólicos em territórios arteriais e venosos já havia sido demostrado para outros coronavírus anteriores, mas sem a mesma intensidade que o atual vírus5 da Covid-19.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford mostrou que o risco de trombose1 venosa cerebral em pessoas com Covid-19 é aproximadamente de 8 a 10 vezes maior do que naquelas que foram vacinadas com vacinas da Pfizer, Moderna e Oxford/AstraZeneca.

Como tratar os eventos trombóticos13 na Covid-19?

Embora até o momento não haja um tratamento comprovadamente eficaz contra o coronavírus, uma questão de relevante importância é o papel da anticoagulação em pacientes graves com Covid-19. Várias instituições já vêm adotando protocolos de anticoagulação, alguns com bons resultados. No entanto, a profilaxia ideal da trombose1 em pacientes com Covid-19 ainda é desconhecida e, na ausência de resultados mais seguros, muitas estratégias profiláticas com base no consenso internacional, nacional ou institucional de especialistas foram sugeridas a fim de controlar o risco de trombose1 venosa. Ainda são necessários estudos mais avançados para estabelecer um consenso quanto à melhor droga, dosagem e duração do tratamento.

A profilaxia da formação de trombos28 deve ser oferecida para todos os casos de alto risco, seja ela farmacológica ou mecânica, embora o uso de anticoagulantes33, especialmente em pacientes em estado crítico, está associado a risco de complicações hemorrágicas34. Não há, até o momento, consenso em relação à dose e à duração do tratamento dos anticoagulantes33 e nem mesmo sobre o uso preventivo35 deles. Portanto, o manejo deve ser individualizado de acordo com os riscos trombótico18 e hemorrágico36 e deve ser decidido pelo médico em cada caso individual.

Contudo, é aceito que o tratamento profilático com heparina parece estar associado a um melhor resultado em pacientes criticamente enfermos com pontuação elevada do risco de coagulopatia. Além do efeito antitrombótico, a função anti-inflamatória da heparina pode ser relevante nesse cenário. Mesmo em pacientes ambulatoriais com pelo menos um fator de risco37 para trombose1 venosa, é proposta uma trombo38 profilaxia com doses profiláticas ou intermediárias.

Quando são hospitalizados, os pacientes em anticoagulação de longo prazo com anticoagulantes33 orais devem ter seus medicamentos trocados para uma anticoagulação parenteral. As interações farmacocinéticas de anticoagulantes33 orais com múltiplos tratamentos, notadamente as terapias antivirais, tornam incerto o efeito dessas medicações.

Leia sobre "Coagulação3 sanguínea", "Coagulograma", "Embolia16 pulmonar" e "Hemostasia39".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites do CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de SP, da Science Direct e da U.S. National Library of Medicine.

ABCMED, 2021. Eventos trombóticos na Covid-19. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/covid-19/1393495/eventos-tromboticos-na-covid-19.htm>. Acesso em: 11 out. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Trombose: Formação de trombos no interior de um vaso sanguíneo. Pode ser venosa ou arterial e produz diferentes sintomas segundo os territórios afetados. A trombose de uma artéria coronariana pode produzir um infarto do miocárdio.
2 Hipóxia: Estado de baixo teor de oxigênio nos tecidos orgânicos que pode ocorrer por diversos fatores, tais como mudança repentina para um ambiente com ar rarefeito (locais de grande altitude) ou por uma alteração em qualquer mecanismo de transporte de oxigênio, desde as vias respiratórias superiores até os tecidos orgânicos.
3 Coagulação: Ato ou efeito de coagular(-se), passando do estado líquido ao sólido.
4 Intravascular: Relativo ao interior dos vasos sanguíneos e linfáticos, ou que ali se situa ou ocorre.
5 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
6 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
7 Endotélio: Camada de células que reveste interiormente os vasos sanguíneos e os vasos linfáticos.
8 Vasos Sanguíneos: Qualquer vaso tubular que transporta o sangue (artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias).
9 Hipercoagulabilidade: Aumento da velocidade de coagulação do sangue.
10 Isquemia: Insuficiência absoluta ou relativa de aporte sanguíneo a um ou vários tecidos. Suas manifestações dependem do tecido comprometido, sendo a mais frequente a isquemia cardíaca, capaz de produzir infartos, isquemia cerebral, produtora de acidentes vasculares cerebrais, etc.
11 Hipoxemia: É a insuficiência de oxigênio no sangue.
12 Veia porta: Veia curta e calibrosa formada pela união das veias mesentérica superior e esplênica.
13 Trombóticos: Relativo à trombose, ou seja, à formação ou desenvolvimento de um trombo (coágulo).
14 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
15 Prognóstico: 1. Juízo médico, baseado no diagnóstico e nas possibilidades terapêuticas, em relação à duração, à evolução e ao termo de uma doença. Em medicina, predição do curso ou do resultado provável de uma doença; prognose. 2. Predição, presságio, profecia relativos a qualquer assunto. 3. Relativo a prognose. 4. Que traça o provável desenvolvimento futuro ou o resultado de um processo. 5. Que pode indicar acontecimentos futuros (diz-se de sinal, sintoma, indício, etc.). 6. No uso pejorativo, pernóstico, doutoral, professoral; prognóstico.
16 Embolia: Impactação de uma substância sólida (trombo, colesterol, vegetação, inóculo bacteriano), líquida ou gasosa (embolia gasosa) em uma região do circuito arterial com a conseqüente obstrução do fluxo e isquemia.
17 Trombose Venosa Profunda: Caracteriza-se pela formação de coágulos no interior das veias profundas da perna. O que mais chama a atenção é o edema (inchaço) e a dor, normalmente restritos a uma só perna. O edema pode se localizar apenas na panturrilha e pé ou estar mais exuberante na coxa, indicando que o trombo se localiza nas veias profundas dessa região ou mais acima da virilha. Uma de suas principais conseqüências a curto prazo é a embolia pulmonar, que pode deixar seqüelas ou mesmo levar à morte. Fatores individuais de risco são: varizes de membros inferiores, idade maior que 40 anos, obesidade, trombose prévia, uso de anticoncepcionais, terapia de reposição hormonal, entre outras.
18 Trombótico: Relativo à trombose, ou seja, à formação ou desenvolvimento de um trombo (coágulo).
19 Incidência: Medida da freqüência em que uma doença ocorre. Número de casos novos de uma doença em um certo grupo de pessoas por um certo período de tempo.
20 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
21 Patogênese: Modo de origem ou de evolução de qualquer processo mórbido; nosogenia, patogênese, patogenesia.
22 Vitamina: Compostos presentes em pequenas quantidades nos diversos alimentos e nutrientes e que são indispensáveis para o desenvolvimento dos processos biológicos normais.
23 Trombofilia: Tendência aumentada a apresentar fenômenos tromboembólicos, seja esta hereditária ou adquirida.
24 Fisiopatologia: Estudo do conjunto de alterações fisiológicas que acontecem no organismo e estão associadas a uma doença.
25 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
26 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
27 Imunidade: Capacidade que um indivíduo tem de defender-se perante uma agressão bacteriana, viral ou perante qualquer tecido anormal (tumores, enxertos, etc.).
28 Trombos: Coágulo aderido à parede interna de uma veia ou artéria. Pode ocasionar a diminuição parcial ou total da luz do mesmo com sintomas de isquemia.
29 Plaquetas: Elemento do sangue (não é uma célula porque não apresenta núcleo) produzido na medula óssea, cuja principal função é participar da coagulação do sangue através da formação de conglomerados que tamponam o escape do sangue por uma lesão em um vaso sangüíneo.
30 Fibrinólise: Processo de dissolução progressiva da fibrina e assim do coágulo, que posteriormente à sua formação deve ser dissolvido.
31 Pulmões: Órgãos do sistema respiratório situados na cavidade torácica e responsáveis pelas trocas gasosas entre o ambiente e o sangue. São em número de dois, possuem forma piramidal, têm consistência esponjosa e medem cerca de 25 cm de comprimento. Os pulmões humanos são divididos em segmentos denominados lobos. O pulmão esquerdo possui dois lobos e o direito possui três. Os pulmões são compostos de brônquios que se dividem em bronquíolos e alvéolos pulmonares. Nos alvéolos se dão as trocas gasosas ou hematose pulmonar entre o meio ambiente e o corpo, com a entrada de oxigênio na hemoglobina do sangue (formando a oxiemoglobina) e saída do gás carbônico ou dióxido de carbono (que vem da célula como carboemoglobina) dos capilares para o alvéolo.
32 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
33 Anticoagulantes: Substâncias ou medicamentos que evitam a coagulação, especialmente do sangue.
34 Hemorrágicas: Relativo à hemorragia, ou seja, ao escoamento de sangue para fora dos vasos sanguíneos.
35 Preventivo: 1. Aquilo que previne ou que é executado por medida de segurança; profilático. 2. Na medicina, é qualquer exame ou grupo de exames que têm por objetivo descobrir precocemente lesão suscetível de evolução ameaçadora da vida, como as lesões malignas. 3. Em ginecologia, é o exame ou conjunto de exames que visa surpreender a presença de lesão potencialmente maligna, ou maligna em estágio inicial, especialmente do colo do útero.
36 Hemorrágico: Relativo à hemorragia, ou seja, ao escoamento de sangue para fora dos vasos sanguíneos.
37 Fator de risco: Qualquer coisa que aumente a chance de uma pessoa desenvolver uma doença.
38 Trombo: Coágulo aderido à parede interna de uma veia ou artéria. Pode ocasionar a diminuição parcial ou total da luz do mesmo com sintomas de isquemia.
39 Hemostasia: Ação ou efeito de estancar uma hemorragia; mesmo que hemóstase.
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