A metafísica das enfermidades
O que é a metafísica das enfermidades?
A metafísica (grego: "meta ta physika", literalmente, "depois das coisas da natureza") é uma disciplina filosófica que trata de questões fundamentais relacionadas à natureza da realidade, existência, causalidade, tempo, espaço, mente e consciência. A metafísica busca ir além da análise das coisas físicas e materiais, explorando questões que estão além da compreensão imediata e das observações empíricas.
Ao longo do tempo, o termo "metafísica" também foi usado de maneiras diferentes em variados contextos; por isso, a interpretação exata pode variar dependendo do autor ou da escola filosófica a que pertença.
A metafísica das enfermidades é uma abordagem filosófica que busca compreender as doenças para além das causas físicas e biológicas. Isto é, para além de seus componentes somáticos e psicológicos. Pode envolver a exploração de aspectos mais amplos da existência, como o significado da doença, seu impacto na vida das pessoas, o momento em que acontece e questões existenciais relacionadas ao significado atribuído à saúde1 e ao sofrimento.
A biologia e psicologia procuram explicar COMO se adoece e não PORQUE se adoece. Esse é o campo da especulação metafísica. Ao contrário da biologia e da psicologia, ela não tem a ver com a causa psicofísica das enfermidades, mas com a razão de existirem, o sentido que elas assumem na vida humana e com suas raízes circunstanciais.
Afinal, o filósofo espanhol Ortega y Gasset disse que “o homem é ele e as suas circunstâncias”. E é assim que ele adoece. Embora possa parecer que esses aspectos têm um pouco a ver com a doença, basta ver que não é assim se considerarmos que os aspectos biopsíquicos são a realidade da doença para o médico, mas os aspectos filosóficos são a realidade da doença para os pacientes: eles quase sempre se perguntam “por que eu?”, “por que logo agora?”, etc.
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Há muitas razões para adoecer que estão além da biologia ou da psicologia, embora ainda não possam responder às questões mais radicais da metafísica. Confira algumas dessas razões.
Estilo de vida e suscetibilidade a doenças
A forma de viver designada desde cedo para cada indivíduo determina como ele se relaciona com as possibilidades de adoecer: um se expõe mais às infecções2; outro aos acidentes; um terceiro desafia seus limites; um quarto é descuidado com a prevenção; e assim por diante.
Além disso, aquele que tenha sido assistido com super cuidados recebeu a mensagem de que o mundo é um lugar de perigos e, por isso, é mais retraído. Se não, se torna mais ousado e se expõe mais. O outro que experimentou abandono desde cedo aprendeu melhor a “se virar” sozinho, e aquele que foi superprotegido na sua infância pode continuar se protegendo mesmo depois de adulto, etc.
Essa maneira singular como cada um enfrenta o mundo implica também sua maneira de adoecer. Sempre existe um compromisso entre a doença do homem e seu estilo de vida.
Influência histórica e cultural na percepção de doença
Cada pessoa nasce num determinado momento histórico e numa determinada cultura, a qual desde cedo lhe sinaliza como significar suas percepções do mundo. Assim, os gregos antigos acreditavam que a natureza era constituída por quatro elementos básicos; alguém que tenha vivido no século I rejubilou-se em ir às arenas ver homens serem devorados por animais; no século XIV muitos acreditavam que as bruxas faziam pactos com o demônio; no século XVII ainda não se falava ao telefone; no início do século XX já se conhecia as maravilhas da informática; e atualmente as pessoas estão curiosas com a inteligência artificial.
Num passado ainda recente, um estrondo desconhecido seria imaginado como o estouro de um pneu ou a explosão de fogos de artifício; atualmente ele talvez desperte a ideia de uma bomba ou de tiros. Em cada época, o homem esteve ameaçado por flagelos3 diferentes: a peste, a sífilis4, a AIDS, a Covid-19, as intempéries, os cataclismos naturais, as armas nucleares, etc.
Impacto geográfico na concepção5 de saúde1
O homem também é preso a seu contexto geográfico. Quem vive no sopé de uma montanha que explode em fogo concebe a vida, a doença e a morte diferentemente daquele outro que mora numa região tranquila onde isso nunca ocorre; o que vive entre montanhas forma ideias diferentes do que habita as planícies; aquele que sempre viveu numa região permanentemente conflagrada vê o mundo de forma diferente de outro que cresceu num ambiente de paz.
Aquele que nasceu em certas regiões da África sabe melhor que outros como proteger-se da malária; o que vive nos Estados Unidos aprende melhor como lidar com o terrorismo; o que nasceu na Sibéria é mais capaz de conviver com o frio; o saariano sabe melhor comportar-se no deserto; o índio da floresta sabe de doenças e curas que o homem da civilização não conhece.
Valores sociais e seu efeito na saúde1
Conceitos como justiça, solidariedade, compaixão, obediência, respeito, submissão, etc. são uma coisa diferente em cada lugar. Eles parecem (mas só parecem!) muito afastados do adoecer. No entanto, afetam significativamente a saúde1 das pessoas.
A família CRIA (e não apenas nomeia) as experiências da infância, designando-as desde cedo. As crenças, concepções e posturas dos adultos diante da existência e da saúde1 constroem o sistema de “verdades” que a criança adotará ao adoecer.
Condição física e saúde1
Cada um nasce com determinada caracterização física, a qual em parte condiciona sua orientação e saúde1 na vida. Geralmente, aquele que tenha uma baixa estatura não desejará ser jogador de basquete; o obeso não aspirará tornar-se jóquei; o deficiente visual não dará curso à ideia de ser piloto; o franzino não esperará liderar a gangue; o surdo não desenvolverá gosto pela música; e o mudo não será um pregador; etc.
Os líderes de grandes facções em geral são pessoas de porte físico avantajado e voz firme. E isso talvez porque com menos motivos para medos, aprenderam a liderar, desde cedo. São também estas características que expõem ou protegem as pessoas.
Perdas vs. faltas: impacto na saúde1 mental
As depressões são causadas mais pelas perdas que pelas faltas. É mais dramático perder um braço que nascer sem ele, porque ao se retirá-lo não é apenas um pedaço que se amputa, mas uma forma de vida conhecida que se mutila.
Os cegos de nascença em geral são joviais e alegres, embora os que perderam a visão6 possam ser amargurados e tristes. São as pessoas perfeitas que se inquietam com as imperfeições dos que não veem. Perder a visão6 constitui um drama; nascer cego, nem tanto.
Essas são algumas das coisas que definem para cada indivíduo seus motivos e modos de adoecer. Um desportista ambicioso em busca de recordes pode esforçar-se exageradamente, até sofrer uma lesão7 que o impeça de continuar seu esporte. A causa material do seu acidente terá sido mecânica, mas os motivos dele foram condições relativas à sua ambição desmedida.
De certa forma, muitas vezes são elementos imateriais que decidem a ocorrência da enfermidade e como ela se dá. Por vezes, as enfermidades desempenham um papel corretivo do rumo inadequado da existência. Alguém pode adoecer para barrar seu caminho a uma dificuldade ou uma infelicidade prevista. Se alguém quebrar um braço ou sofrer uma pneumonia8, geralmente encontrará como retirar daí algo de positivo.
Em nenhum outro lugar vale mais literalmente que aqui o dito popular: “há males que vêm para o bem”.
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Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Universidade Federal Fluminense e da Cleveland Clinic.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.