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Quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe

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O que é o quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe?

Publicações clínicas e morfológicas demonstram de maneira convincente que a participação em lutas de boxe leva a lesões1 cerebrais permanentes e severas. A mídia, mais que a Medicina, tem destacado a ocorrência dessas deteriorações a longo prazo consequentes às lesões1 dos traumatismos cranianos dos boxeadores. Apesar do aumento de interesse em relação a esse tema, poucas pesquisas têm sido conduzidas a respeito.

Os tipos de traumas neurológicos do boxe são de três classes:

  1. Ações neurológicas agudas
  2. Estados grogues persistentes pós concussão
  3. Encefalopatia2 traumática crônica (ETC)

Esse artigo se dedica sobretudo a essa última condição.

Leia sobre "Concussão", "Demência3" e "Traumatismo4 craniano". 

Quais são as causas do quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe?

Os traumatismos cranianos repetitivos podem ser um fator de risco5 para a doença de Alzheimer6 e são considerados a principal causa de ETC. Os potenciais efeitos a longo prazo dos traumatismos cranianos cumulativos sobre o cérebro7 vieram a público com o reconhecimento de que os boxeadores e outros atletas de esportes de contato mostraram achados post-mortem associados à ETC.

Uma questão que ainda precisa ser mais explorada é a relação entre a quantidade de traumatismos cranianos e as alterações na estrutura e função cerebrais. Estudos anteriores em boxeadores relataram que a maior frequência e a duração das lutas estão associadas a mais problemas cognitivos8 ou neurológicos tardios. Estudos post-mortem de pacientes com ETC revelaram alterações em várias regiões subcorticais e corticais. Em pacientes vivos, além dos avanços da neuroimagem, a segmentação dessas estruturas pode ser completada por programas automatizados amplamente disponíveis.

Qual é o substrato fisiopatológico do quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe?

No momento ainda são poucas as evidências científicas para apoiar o ponto de vista de que os traumatismos cerebrais oriundos do boxe sejam os únicos e reais responsáveis pelas alterações neurológicas e psiquiátricas observadas em ex-pugilistas. Com base na revisão da literatura dos últimos 50 anos, fica claro que apenas uma pequena parte de atletas sofreu de sequelas9 presumivelmente devidas a golpes recorrentes na cabeça10.

Os danos cerebrais permanentes do boxeador são difusos e envolvem todas as áreas do cérebro7, especialmente os grandes neurônios11 das diferentes camadas do córtex cerebral, do corno de Ammons e as células de Purkinje12 do cerebelo13, e certamente dependem também de fatores pessoais, como hereditariedade14 e doenças ou higidez15 prévia.

Quais são as características clínicas do quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe?

As concussões cerebrais são a consequência aguda mais relevante do boxe e consiste num episódio agudo16 e transitório de perda da consciência, confusão mental ou perda de memória. A ETC, por sua vez, consiste em um espectro de distúrbios neurológicos decorrentes da exposição crônica a traumas cerebrais sofridos pelos boxeadores, entre os quais se destacam:

  • distúrbios da fala, da marcha e da cognição17;
  • espasticidade18;
  • hiperreflexia19;
  • e mudanças comportamentais.

Costuma-se descrever as consequências a longo prazo em relação com as sequelas9 advindas dos golpes sofridos pelos boxeadores como deteriorações cognitivas (“demências”), nervosas (Parkinson) e problemas de saúde20 mental (depressão, alterações de personalidade e suicídio). A extensão dos danos cerebrais é correlato com o número de lutas empreendidas, que corresponde, em certa maneira, ao número de golpes contra a cabeça10 do boxeador durante as lutas e com a exposição ao “sparring”. As repetitividades dos golpes parecem mais importante para gerar sequelas9 que a potência deles.

Um trauma contuso na cabeça10 resulta em movimentação acelerada do cérebro7 dentro do crânio21. A desaceleração do cérebro7 dentro do crânio21 ocorre quando a cabeça10 atinge um objeto estacionário como, por exemplo, o piso ou um poste. Essa movimentação do cérebro7 dentro do crânio21 assume duas formas: (1) aceleração linear ou translacional, que produz lesões1 focais e (2) aceleração rotacional, que resulta em estiramento de nervos e veias22 da ponte.

No entanto, como dissemos, a alta exposição ao boxe não parece ser, por si só, a causa dos distúrbios neurológicos tardios. É preciso também a colaboração de outros fatores, entre os quais a perda de substância nervosa decorrente da idade. Talvez os distúrbios da ETC só apareçam alguns anos depois que o pugilista encerrou sua carreira justamente porque precisam que haja a contribuição da morte de algumas células23 cerebrais para que eles se manifestem.

Fatores genéticos também podem colaborar para que alguns boxeadores tenham um risco aumentado de ETC. Seja como for, o resultado claro é que os pugilistas sofrem quadros neurológicos demenciais mais cedo que a população geral.

Como se deve manejar o quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe?

Segundo um novo estudo publicado na edição online de 14 de setembro de 2022 da revista Neurology, da Academia Americana de Neurologia, os boxeadores podem ter alguma recuperação em suas habilidades de pensamento e memória, bem como na estrutura cerebral, depois que param de lutar. É o que afirmam pesquisadores da Cleveland Clinic: "vimos alguma melhora no raciocínio e na memória de lutadores aposentados." Os grupos estudados foram pareados por idade, escolaridade, raça e número de lutas no início do estudo.

Do grupo, metade dos participantes fez exames de sangue24 para um marcador biológico de lesões1 cerebrais, chamado cadeia leve de neurofilamento, um componente de fibras nervosas que pode ser detectado no sangue24 quando as fibras são lesionadas. Os participantes também fizeram testes para medir a memória verbal, o funcionamento executivo e a velocidade motora. Os lutadores que já haviam encerrado suas carreiras tiveram melhoras em seus escores ao longo do tempo, enquanto os escores de lutadores ainda em atividade ficaram mais estáveis ou apresentaram declínios mais sutis.

Veja também sobre "Escala de Coma25 de Glasgow", "Amnésia26 global transitória" e "Hemorragia subaracnoidea27".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites do NIH – National Institutes of Health e da University of Calgary.

ABCMED, 2022. Quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/sinais.-sintomas-e-doencas/1428240/quadro-neurologico-tardio-dos-lutadores-de-boxe.htm>. Acesso em: 3 nov. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Lesões: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
2 Encefalopatia: Qualquer patologia do encéfalo. O encéfalo é um conjunto que engloba o tronco cerebral, o cerebelo e o cérebro.
3 Demência: Deterioração irreversível e crônica das funções intelectuais de uma pessoa.
4 Traumatismo: Lesão produzida pela ação de um agente vulnerante físico, químico ou biológico e etc. sobre uma ou várias partes do organismo.
5 Fator de risco: Qualquer coisa que aumente a chance de uma pessoa desenvolver uma doença.
6 Doença de Alzheimer: É uma doença progressiva, de causa e tratamentos ainda desconhecidos que acomete preferencialmente as pessoas idosas. É uma forma de demência. No início há pequenos esquecimentos, vistos pelos familiares como parte do processo normal de envelhecimento, que se vão agravando gradualmente. Os pacientes tornam-se confusos e por vezes agressivos, passando a apresentar alterações da personalidade, com distúrbios de conduta e acabam por não reconhecer os próprios familiares e até a si mesmos quando colocados frente a um espelho. Tornam-se cada vez mais dependentes de terceiros, iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação inviabiliza-se e passam a necessitar de cuidados e supervisão integral, até mesmo para as atividades elementares como alimentação, higiene, vestuário, etc..
7 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
8 Cognitivos: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
9 Sequelas: 1. Na medicina, é a anomalia consequente a uma moléstia, da qual deriva direta ou indiretamente. 2. Ato ou efeito de seguir. 3. Grupo de pessoas que seguem o interesse de alguém; bando. 4. Efeito de uma causa; consequência, resultado. 5. Ato ou efeito de dar seguimento a algo que foi iniciado; sequência, continuação. 6. Sequência ou cadeia de fatos, coisas, objetos; série, sucessão. 7. Possibilidade de acompanhar a coisa onerada nas mãos de qualquer detentor e exercer sobre ela as prerrogativas de seu direito.
10 Cabeça:
11 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
12 Células de Purkinje: Neurônios eferentes do córtex cerebelar.
13 Cerebelo: Parte do encéfalo que fica atrás do TRONCO ENCEFÁLICO, na base posterior do crânio (FOSSA CRANIANA POSTERIOR). Também conhecido como “encéfalo pequeno“, com convoluções semelhantes àquelas do CÓRTEX CEREBRAL, substância branca interna e núcleos cerebelares profundos. Sua função é coordenar movimentos voluntários, manter o equilíbrio e aprender habilidades motoras.
14 Hereditariedade: Conjunto de eventos biológicos responsáveis pela transmissão de uma herança a seus descendentes através de seus genes. Existem dois tipos de hereditariedade: especifica e individual. A hereditariedade especifica é responsavel pela transmissão de agentes genéticos que determinam a herança de características comuns a uma determinada espécie. A hereditariedade individual designa o conjunto de agentes genéticos que atuam sobre os traços e características próprios do indivíduo que o tornam um ser diferente de todos os outros.
15 Higidez: É o estado do hígido, daquele que goza de perfeita saúde; sadio, são, salutar.
16 Agudo: Descreve algo que acontece repentinamente e por curto período de tempo. O oposto de crônico.
17 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
18 Espasticidade: Hipertonia exagerada dos músculos esqueléticos com rigidez e hiperreflexia osteotendinosa.
19 Hiperreflexia: Definida como reflexos muito ativos ou responsivos em excesso. Suas causas mais comuns são lesão na medula espinal e casos de hipocalcemia.
20 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
21 Crânio: O ESQUELETO da CABEÇA; compreende também os OSSOS FACIAIS e os que recobrem o CÉREBRO. Sinônimos: Calvaria; Calota Craniana
22 Veias: Vasos sangüíneos que levam o sangue ao coração.
23 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
24 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
25 Coma: 1. Alteração do estado normal de consciência caracterizado pela falta de abertura ocular e diminuição ou ausência de resposta a estímulos externos. Pode ser reversível ou evoluir para a morte. 2. Presente do subjuntivo ou imperativo do verbo “comer.“
26 Amnésia: Perda parcial ou total da memória.
27 Hemorragia subaracnoidea: Hemorragia subaracnoide ou subaracnoidea é um derramamento de sangue que se dá no espaço subaracnoideo compreendido entre duas meninges, a aracnoide e a pia-máter. Este espaço contém o líquor. Essas meninges, além da dura-máter, são membranas que envolvem o sistema nervoso. A origem habitual deste sangue é a ruptura de um vaso sanguíneo enfraquecido (quer seja por uma malformação arteriovenosa, quer por um aneurisma). Quando um vaso sanguíneo está afetado pela aterosclerose ou por uma infecção, pode produzir-se a rotura do mesmo. Tais rupturas podem ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequentes entre os 25 e os 50 anos. Raramente ela ocorre por um traumatismo craniano.
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