Eletrochoque
O que é eletrochoque?
O eletrochoque, também chamado eletroconvulsoterapia (ECT), hoje é um procedimento no qual uma corrente elétrica de baixa intensidade é passada através do cérebro1, sob anestesia2 geral, para induzir uma convulsão3 rápida e controlada. Este método é efetivo para tratar diversas condições mentais severas.
A história do eletrochoque
A ideia de produzir convulsões para tratar certas doenças mentais é muito recente na história da Medicina. Quando apareceu, ela provocou uma enorme sensação, numa época em que não havia nenhum tratamento disponível para essa classe de doenças, e inclusive levou o psiquiatra húngaro Ladislas J. Meduna (1896–1964), um dos pioneiros nesse campo, ao prêmio Nobel de Medicina em 1937.
Essa ideia começou pela observação empírica de que os epilépticos não sofriam de esquizofrenia4 e que após seus episódios convulsivos mostravam um estado de ânimo melhor que antes. Posteriores estudos de neuropatologia e novas observações clínicas mostraram um real antagonismo neuropatológico e clínico entre epilepsia5 e esquizofrenia4.
Nyírö assinalou que a taxa de esquizofrenia4 entre pacientes epilépticos era significativamente mais baixa que na população geral. Uma observação mostrou que de 6.000 pacientes com esquizofrenia4 apenas 8 sofriam de epilepsia5. Além disso, havia também o relato de casos de dois pacientes esquizofrênicos cuja doença havia remetido após ataques convulsivos. Em 1934, Meduna tinha se convencido de um antagonismo entre esquizofrenia4 e epilepsia5, como escreveu na sua biografia: “… se eu puder provocar convulsões epilépticas nos esquizofrênicos veremos então que isso alterará os processos químicos e humorais no corpo de uma maneira que o abatimento da doença se tornará possível...”.
Trabalhando em Budapeste, ele procurou meios de provocar convulsões artificiais. Várias substâncias injetáveis foram tentadas com essa finalidade, entre elas o óleo de cânfora e a insulina6, mas todas elas envolviam riscos e efeitos colaterais7 desagradáveis. No ano de 1938, dois psiquiatras italianos, Ugo Cerleti (1877–1963) e Lúcio Bini (1908–1964) tiveram a ideia de testar a eletricidade com tal finalidade e puderam comprovar resultados semelhantes. Eles conseguiam provocar convulsões com a passagem através do cérebro1 de uma corrente elétrica.
A partir de 1940, a técnica se espalhou por toda a Europa e América do Norte e desde então vários aperfeiçoamentos têm sido introduzidos na aplicação dessa terapêutica8. Em 1944, Lieberson (1904–1994) diminuiu a duração do estímulo elétrico; em 1942, Holmberg and Thesleff introduziram a ideia de aplicar o eletrochoque em pacientes previamente anestesiados, o que a tornou mais tolerável e confortável para os pacientes.
Hoje em dia, as pesquisas no campo da neuromodulação continuam a acontecer, não só nesse, mas também em outros campos da Medicina. Mais de oito décadas depois da sua descoberta, o eletrochoque continua a produzir benefícios no tratamento de desordens afetivas refratárias9 às medicações antidepressivas.
O eletrochoque é um tratamento que adquiriu má fama, em parte justificadamente e, em parte, não. Devido ao próprio nome, o tratamento foi associado às técnicas de tortura que consistiam em aplicar choques elétricos às pessoas, muito embora pacientes que recebem um eletrochoque não tenham a sensação de uma descarga elétrica. Uma denominação mais feliz teria sido chamá-lo, desde o início, eletroconvulsoterapia, como acabou vindo a ser conhecido.
Por outro lado, como o tratamento em geral era rejeitado pelos pacientes, ele muitas vezes foi usado nos hospitais públicos, numa época em que os doentes mentais eram segregados, como instrumento punitivo ou disciplinar, em vez de ser utilizado como um procedimento terapêutico. E ainda, de início, como se tratava de um tratamento novo, ele foi aplicado sem critérios rigorosos, o que talvez tenha feito diminuir sua eficácia relativa.
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Em que consiste o eletrochoque?
Como preparação para o ECT, uma pessoa deve passar por uma história médica, exame físico, avaliação psiquiátrica, exame de sangue11, eletrocardiograma12 e avaliação dos riscos da anestesia2. O ECT pode ser aplicado a uma pessoa hospitalizada ou que esteja em um ambulatório e dura apenas 10 minutos, não contando o tempo de recuperação, que é variável de pessoa para pessoa.
Antes do procedimento, a pessoa receberá uma anestesia2 geral, de modo que deve seguir as dietas pertinentes e passará por um breve exame físico para checar basicamente seus pulmões13 e coração14. Um cateter intravenoso será colocado em um dos braços. Eletrodos serão colocados lateral ou bilateralmente em sua fronte, através dos quais será disparada a corrente elétrica.
No início do procedimento, o paciente receberá pelo cateter um anestésico de curta duração para torná-lo inconsciente e um relaxante muscular para minimizar as convulsões e prevenir lesões15 advindas delas. O paciente deve receber também uma proteção bucal que protegerá seus dentes de fraturas ao se atritarem uns contra os outros, bem como para proteger sua língua16 de uma eventual mordida.
Em seguida, a partir de um aparelho apropriado, o médico passará uma corrente elétrica através do seu cérebro1 produzindo uma convulsão3 que, em geral, dura menos de 60 segundos. Por causa do anestésico e do relaxante muscular administrados, o paciente permanece relaxado e sem perceber a convulsão3. A única indicação externa de que ele está tendo uma convulsão3 serão leves movimentos musculares rítmicos.
Poucos minutos depois, os efeitos do anestésico e do relaxante muscular desaparecem e a pessoa é deixada em recuperação e monitorada quanto a eventuais problemas. Quando acorda, ela pode estar confusa durante uns poucos minutos ou, raramente, horas.
O tratamento deve ser repetido 3 ou 4 vezes por semana num total de até 12 sessões. Alguns médicos usam impulsos elétricos ultra breves, aplicados diariamente. O tipo de tratamento a ser empregado e o número de sessões necessárias dependem da severidade dos sintomas17 e de quão rapidamente eles melhoram.
Após o tratamento, o paciente pode retornar às suas atividades normais dentro de poucas horas. Contudo, algumas pessoas devem ser avisadas de não tomarem decisões importantes e não dirigirem até 24 horas depois de uma sessão isolada de ECT, até que a confusão e a alteração de memória tenham desaparecido completamente.
Qual é o mecanismo de ação do eletrochoque?
Numerosas teorias psicológicas, biológicas e psicanalíticas têm sido desenvolvidas para explicar as ações benéficas da ECT:
- O impulso elétrico que perpassa o tecido nervoso18 estimula os neurônios19, alterando seu meio interno e a concentração de íons20.
- Mudanças no fluxo sanguíneo cerebral e do metabolismo21 cerebral.
- Mudanças na barreira hematoencefálica.
- Mudanças eletroencefalográficas.
- Moderação dos neurotransmissores cerebrais.
- Mudanças hormonais.
- Mudanças neuroplásticas cerebrais.
- E várias outras.
Acredita-se que, com o eletrochoque, neurotransmissores como a serotonina, a dopamina22, a acetilcolina23 e outros sejam máxima e imediatamente liberados, o que não acontece no caso das drogas antidepressivas, que só são liberadas progressivamente e podem demorar 20 ou mais dias para fazer efeito terapêutico.
Indicações terapêuticas do eletrochoque
A terapia eletroconvulsiva produz rápidas e significativas melhoras nos quadros de depressão severa quando acompanhada de sintomas17 psicóticos, ideias de suicídio, recusa alimentar, quadros de depressão resistentes às medicações ou a outros tratamentos, quadros severos de mania, quadros de catatonia associados à esquizofrenia4, agitação e agressão em pessoas com demência24.
A convulsoterapia pode ser também uma opção para:
- pacientes que não toleram a medicação;
- durante a gravidez10, em que as medicações não devem ser tomadas;
- em idosos que não toleram os efeitos secundários das medicações;
- em pessoas que a preferem em relação aos tratamentos medicamentosos;
- e quando ela já tenha mostrado resultados exitosos no passado.
“Em algumas situações, o eletrochoque é o único recurso que pode tirar os pacientes de crises depressivas e afastar o risco de suicídio”, disse Marco Antônio Brasil, ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e atual conselheiro da entidade. Ele considera que os excessos cometidos por clínicas e hospitais provocaram “uma reação negativa à própria terapia, e não apenas à sua má utilização”.
Em geral, o eletrochoque é um tratamento seguro que, no entanto, envolve alguns riscos raros e efeitos colaterais7 incômodos. A confusão mental que surge logo após o tratamento em geral dura poucos minutos, mas, em alguns poucos casos, pode durar horas ou dias, especialmente em pacientes idosos. Ocorrem também perdas de memória para eventos anteriores ao eletrochoque e efeitos colaterais7 físicos como náusea25, dor de cabeça26, dores musculares ou na mandíbula27 e complicações de problemas de saúde28 preexistentes. A esses deve-se juntar, também, os riscos inerentes à anestesia2.
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Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Encyclopedia Britannica, da Mayo Clinic e do NIH – National Institutes of Health.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.