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As características da doença de Hirata

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O que é a doença de Hirata?

A doença de Hirata, também conhecida como síndrome1 de Hirata ou hipoglicemia2 autoimune3, é uma doença rara que se caracteriza pela presença de anticorpos4 anti-insulina5 circulantes, gerando episódios hipoglicêmicos reversíveis.

Trata-se de uma doença rara e, portanto, pouco conhecida, cuja maior parte dos casos foi descrita nas populações japonesa e coreana, embora também tenham sido descritos casos em outras etnias. A condição foi descrita pela primeira vez pela médica japonesa Yukimasa Hirata, em 1970, no Japão.

Quais são as causas da doença de Hirata?

As causas exatas da doença de Hirata ainda não são bem conhecidas. Sabe-se apenas que ela se desenvolve quando um fator desencadeante (um medicamento ou uma infecção6 viral, por exemplo) age sobre um fundo genético predisponente. Parece haver uma associação da doença com os alelos7 HLA classe II dos tipos DRB1*0406, DQA1*0301 e DQB2*0302, os quais são cerca de 10 vezes mais frequentes em orientais que em caucasianos.

Os episódios de hipoglicemia2 são secundários a um aumento da concentração plasmática de anticorpos4 anti-insulina5, com hiperglicemia8, havendo um hiperinsulinismo9 endógeno reativo com hipoglicemia2.

A doença afeta predominantemente indivíduos acima de 40 anos com pico de idade entre 60 e 69 anos. Não há diferença na incidência10 entre os sexos masculino ou feminino.

Saiba mais sobre "Curva glicêmica11", "Teste de tolerância à glicose12" e "Hemoglobina glicosilada13".

Qual é o substrato fisiopatológico da doença de Hirata?

A patogênese14 da doença de Hirata envolve a formação de complexos insulina5-anticorpos4 anti-insulina5 que induzem alterações glicêmicas com um mecanismo de dupla fase: o anticorpo15 anti-insulina5 impede que a insulina5 se ligue ao seu receptor na fase pós-prandial, possivelmente resultando em hiperglicemia8; depois disso, quando a insulina5 é liberada do anticorpo15, ela age livremente sobre as concentrações de glicose12 no sangue16, induzindo hipoglicemia2.

Ou seja, após uma refeição, a concentração de glicose12 na corrente sanguínea aumenta, estimulando a secreção de insulina5. Os autoanticorpos se ligam a essas moléculas de insulina5, tornando-as incapazes de exercer seus efeitos. A hiperglicemia8 resultante promove liberação adicional de insulina5. À medida que a concentração de glicose12 cai, a secreção de insulina5 também diminui e o nível total de insulina5 diminui. Agora as moléculas de insulina5 se dissociam espontaneamente dos autoanticorpos, dando origem a um nível elevado de insulina5 livre inapropriado para a concentração de glicose12, causando hipoglicemia2.

Uma descoberta importante foi a associação da doença com a exposição a medicações sulfidrilas (1983) e, posteriormente, com determinantes imunogênicos específicos. Nos últimos 20 anos, vem sendo aprofundado o conhecimento sobre a patogênese14 da doença de Hirata.

Quais são as características clínicas da doença de Hirata?

As manifestações clínicas da doença de Hirata variam amplamente em termos de gravidade, duração e taxas de remissão. O sintoma17 mais característico da doença são frequentes episódios de hipoglicemia2 que cursam com um grande aumento dos anticorpos4 anti-insulina5, sem que tenha havido exposição prévia à insulina5. A hipoglicemia2 se manifesta com sintomas18 autonômicos, como fome, tremor e ansiedade, e sintomas18 nervosos, como irritabilidade, alterações comportamentais, confusão, amnésia19, convulsões e perda de consciência.

A hipoglicemia2 é, pois, um tipo de fenômeno rebote. Ao contrário das hipoglicemias por jejum, os pacientes costumam apresentar hiperglicemia8 imediatamente após a refeição seguida de hipoglicemia2 que ocorre horas após (3 a 4 horas).

Observa-se associação da doença de Hirata com outras doenças autoimunes20 e ela pode ser desencadeada pela exposição a certas drogas. O quadro hipoglicêmico é transitório e está frequentemente associado a drogas que contenham o grupo sulfidril em sua estrutura.

O limiar para provocar manifestações de hipoglicemia2 na doença de Hirata é muito menor em pacientes saudáveis. A hipoglicemia2 costuma ser leve, embora haja casos que apresentem manifestações graves, como convulsões e coma21.

Como mencionado, os pacientes podem apresentar oscilações de hiperglicemia8 para hipoglicemia2. Nessas circunstâncias, a apresentação típica consiste em hiperglicemia8 pós-prandial precoce e subsequente hipoglicemia2 reativa. Tem sido relatado aumento no peso corporal, especialmente em pacientes que apresentam a doença de Hirata de longa duração, mal reconhecida, o que pode ser devido ao aumento da ingestão de alimentos como um mecanismo corretivo para hipoglicemia2.

Como o médico diagnostica a doença de Hirata?

O diagnóstico22 da doença de Hirata é sempre um desafio, porque exige excluir outras causas de hipoglicemia2 hiperinsulínica. Do ponto de vista clínico, ocorrem estados de hipoglicemia2 espontâneos não cetóticos, na maior parte dos casos associados a outras doenças autoimunes20 concomitantes.

No que diz respeito aos dados de laboratório, o padrão ouro para diagnóstico22 é a análise de uma amostra de sangue16. Ela apresenta-se com altos níveis de anticorpos4 anti-insulina5 em pacientes que nunca foram previamente expostos à terapia com insulina5. Os níveis de anticorpos4 anti-insulina5 dosados no plasma23 desses pacientes são caracteristicamente muito elevados, em geral acima de 1.000 µU/mL.

Como o médico trata a doença de Hirata?

A remissão espontânea ocorre em até 80% dos casos com a interrupção da droga que desencadeou o quadro ou com medidas comportamentais como, por exemplo, realizar pequenas refeições durante o dia para evitar grandes picos de insulina5. Como a doença frequentemente é autorremissiva, seu manejo consiste principalmente em alterações dietéticas orientadas para prevenir a hipoglicemia2.

Terapias farmacológicas podem ser necessárias para controlar pacientes que apresentem manifestações mais severas da doença. Elas podem incluir drogas que reduzam a secreção pancreática e agentes imunossupressores. Corticoides sistêmicos24 podem ser úteis para reduzir as concentrações de anticorpos4 e as drogas contendo grupo sulfidril devem ser evitadas. O quadro geralmente melhora quando a droga gatilho é suspensa.

Leia sobre "Glicemia de jejum25", "Diabetes mellitus26", "Hipoglicemia2" e "Comportamento da glicose12".

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente do site da U.S. National Library of Medicine.

ABCMED, 2023. As características da doença de Hirata. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/sinais.-sintomas-e-doencas/1434360/as-caracteristicas-da-doenca-de-hirata.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
2 Hipoglicemia: Condição que ocorre quando há uma queda excessiva nos níveis de glicose, freqüentemente abaixo de 70 mg/dL, com aparecimento rápido de sintomas. Os sinais de hipoglicemia são: fome, fadiga, tremores, tontura, taquicardia, sudorese, palidez, pele fria e úmida, visão turva e confusão mental. Se não for tratada, pode levar ao coma. É tratada com o consumo de alimentos ricos em carboidratos como pastilhas ou sucos com glicose. Pode também ser tratada com uma injeção de glucagon caso a pessoa esteja inconsciente ou incapaz de engolir. Também chamada de reação à insulina.
3 Autoimune: 1. Relativo à autoimunidade (estado patológico de um organismo atingido por suas próprias defesas imunitárias). 2. Produzido por autoimunidade. 3. Autoalergia.
4 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
5 Insulina: Hormônio que ajuda o organismo a usar glicose como energia. As células-beta do pâncreas produzem insulina. Quando o organismo não pode produzir insulna em quantidade suficiente, ela é usada por injeções ou bomba de insulina.
6 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
7 Alelos: 1. Que ocupa os mesmos loci (locais) nos cromossomos (diz-se de gene). 2. Em genética, é cada uma das formas que um gene pode apresentar e que determina características diferentes.
8 Hiperglicemia: Excesso de glicose no sangue. Hiperglicemia de jejum é o nível de glicose acima dos níveis considerados normais após jejum de 8 horas. Hiperglicemia pós-prandial acima de níveis considerados normais após 1 ou 2 horas após alimentação.
9 Hiperinsulinismo: O hiperinsulinismo congênito resulta de defeitos em genes responsáveis por regular a secreção de insulina pelas células beta do pâncreas, causando hipoglicemia persistente durante a infância. O quadro de hipoglicemia pode ser grave e de difícil tratamento, apresentando elevado risco de convulsão e lesão cerebral.
10 Incidência: Medida da freqüência em que uma doença ocorre. Número de casos novos de uma doença em um certo grupo de pessoas por um certo período de tempo.
11 Curva Glicêmica: Ou TOTG. Segundo a NDDG (National Diabetes Data Group) o teste é feito após jejum de 12 a 16 horas, 3 dias de dieta prévia contendo no mínimo 150 gramas de carboidrato/dia. Durante o teste: não pode fumar ou comer e deve permanecer em repouso total, pode ingerir apenas água. Coleta-se uma amostra de glicemia de jejum. Administra-se ao paciente sobrecarga de glicose: No adulto: 75g Na gestante: até 100g a critério médico Em crianças: 1,75 g/ kg de peso. A concentração da solução não deve ultrapassar 25 g/dl, e o tempo de ingestão deve ser inferior a 5 minutos. Coleta-se amostras de sangue a cada 30 minutos, até 120 minutos de teste - 5 amostras. Na interpretação do teste: Normal: Glicemia de jejum inferior a 110 mg/dl Glicemia após 120 minutos inferior a 140 mg/dl Nenhum valor durante o teste superior a 200 mg/dl Tolerância Diminuída à Glicose: Glicemia de jejum inferior a 140 mg/dl Glicemia após 120 minutos entre 140 e 200 mg/dl No máximo um valor durante o teste superior a 200 mg/dl Diabetes Melito: Glicemia de jejum superior a 140 mg/dl Todos os outros resultados da curva superiores a 200 mg/dl Diabetes Gestacional: pelo menos 2 resultados como se segue: Glicemia de jejum superior a 105,0 mg/dl Glicemia de 1 hora superior a 190,0 mg/dl Glicemia de 2 horas superior a 165,0 mg/dl Glicemia de 3 horas superior a 145,0 mg/dl.
12 Glicose: Uma das formas mais simples de açúcar.
13 Hemoglobina glicosilada: Hemoglobina glicada, hemoglobina glicosilada, glico-hemoglobina ou HbA1C e, mais recentemente, apenas como A1C é uma ferramenta de diagnóstico na avaliação do controle glicêmico em pacientes diabéticos. Atualmente, a manutenção do nível de A1C abaixo de 7% é considerada um dos principais objetivos do controle glicêmico de pacientes diabéticos. Algumas sociedades médicas adotam metas terapêuticas mais rígidas de 6,5% para os valores de A1C.
14 Patogênese: Modo de origem ou de evolução de qualquer processo mórbido; nosogenia, patogênese, patogenesia.
15 Anticorpo: Proteína circulante liberada pelos linfócitos em reação à presença no organismo de uma substância estranha (antígeno).
16 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
17 Sintoma: Qualquer alteração da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. O sintoma é a queixa relatada pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
18 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
19 Amnésia: Perda parcial ou total da memória.
20 Autoimunes: 1. Relativo à autoimunidade (estado patológico de um organismo atingido por suas próprias defesas imunitárias). 2. Produzido por autoimunidade. 3. Autoalergia.
21 Coma: 1. Alteração do estado normal de consciência caracterizado pela falta de abertura ocular e diminuição ou ausência de resposta a estímulos externos. Pode ser reversível ou evoluir para a morte. 2. Presente do subjuntivo ou imperativo do verbo “comer.“
22 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
23 Plasma: Parte que resta do SANGUE, depois que as CÉLULAS SANGÜÍNEAS são removidas por CENTRIFUGAÇÃO (sem COAGULAÇÃO SANGÜÍNEA prévia).
24 Sistêmicos: 1. Relativo a sistema ou a sistemática. 2. Relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema; que se refere ou segue um sistema em seu conjunto. 3. Disposto de modo ordenado, metódico, coerente. 4. Em medicina, é o que envolve o organismo como um todo ou em grande parte.
25 Glicemia de jejum: Teste que checa os níveis de glicose após um período de jejum de 8 a 12 horas (frequentemente dura uma noite). Este teste é usado para diagnosticar o pré-diabetes e o diabetes. Também pode ser usado para monitorar pessoas com diabetes.
26 Diabetes mellitus: Distúrbio metabólico originado da incapacidade das células de incorporar glicose. De forma secundária, podem estar afetados o metabolismo de gorduras e proteínas.Este distúrbio é produzido por um déficit absoluto ou relativo de insulina. Suas principais características são aumento da glicose sangüínea (glicemia), poliúria, polidipsia (aumento da ingestão de líquidos) e polifagia (aumento da fome).
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