Gostou do artigo? Compartilhe!

Intoxicação por estricnina

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

O que é a estricnina1?

A estricnina1 é uma substância extraída da casca e especialmente das sementes de plantas do gênero Strychnos, principalmente da Strychnos nux-vomica (noz-vômica), usada em pequeninas doses como estimulante do sistema nervoso central2, mas que, em doses maiores, é um veneno capaz de levar à morte. Em doses baixas foi utilizada como laxante3 e para tratar outros problemas estomacais, mas esse tipo de tratamento foi abandonado com o advento de alternativas mais seguras.

Trata-se de um pó branco e cristalino4, inodoro e muito amargo (uma das substâncias mais amargas que existem), muito tóxico, praticamente insolúvel em água e pouco solúvel em solventes orgânicos. A estricnina1 pode ser inalada sob a forma de pó ou de vapores venenosos em casos de um incêndio em locais que guardem compostos da substância. A absorção pela pele5 também pode causar reações tóxicas.

Se decompõe rapidamente no solo, sendo pouco provável que contamine água. No passado foi muito usada como pesticida, principalmente para matar ratos, mas devido à sua alta toxicidade6 passou a ser proibida em muitos países, inclusive no Brasil, desde 1980. Apesar disso, um pequeno uso clandestino dela continua sendo feito entre nós. A fonte natural mais comum dessa substância é em árvores nativas do Ceilão, Austrália e Índia.

A estricnina1 foi isolada pela primeira vez em 1818, pelos químicos franceses Joseph-Bienaime Caventou e Pierre-Joseph Pelletier, mas sua estrutura química só foi elucidada em 1947 e só em 1963 o químico americano Robert Burns Woodward efetuou a sua síntese total. 

O que é a intoxicação por estricnina1?

A intoxicação e o envenenamento por estricnina1 podem ser fatais para indivíduos humanos e outros animais e pode ocorrer por inalação, ingestão ou absorção através das mucosas7 dos olhos8 ou da boca9. Ela produz alguns dos sintomas10 mais dramáticos e dolorosos de qualquer reação tóxica conhecida, sendo às vezes usada em assassinatos, envenenamentos ou tentativas de suicídio.

Saiba mais sobre "Intoxicação por chumbo11 ou saturnismo12", "Intoxicação por mercúrio" e "Os perigos da automedicação13".

Como age a estricnina1?

O mecanismo de ação da estricnina1 se baseia na interferência da função dos neurônios14, bloqueando a ação do neurotransmissor chamado glicina e impedindo, assim, que a transmissão nervosa seja efetivada, resultando em desordens convulsivas, tetânicas e espásticas. A estricnina1 atua especificamente a nível da medula espinhal15, bloqueando o funcionamento dos neurônios14 inibitórios, impedindo seu receptor específico de glicina.

A dose letal da estricnina1 em seres humanos varia entre 30 a 120 mg, dependendo de fatores metabólicos e constitucionais da pessoa. Em quantidades não-letais, a estricnina1 é absorvida e convertida em substâncias menos nocivas, processo que acontece principalmente com o auxílio de enzimas hepáticas16. A ingestão de doses nocivas pode afetar o sistema nervoso17 e causar convulsão18, espasmos19 musculares, perda de sentidos e eventualmente a morte por espasticidade20 da musculatura respiratória.

Quais são as características clínicas da intoxicação por estricnina1?

As vias de inoculação21 possíveis da estricnina1 são: ingestão, inalação ou contato com a pele5 e/ou mucosas7. Em casos mais raros, a intoxicação pode ocorrer de forma secundária, por meio da ingestão de animais roedores intoxicados. Isso é mais possível de ser verificado em animais que se alimentam sistematicamente de pequenos roedores.

Em humanos, entre 10 e 20 minutos após a ingestão, os músculos22 do corpo começam a sofrer espasmos19, iniciando com a cabeça23 e o pescoço24. Os sintomas10 da intoxicação aguda são tremor, náuseas25, tonturas26, vômitos27, desorientação, dificuldade respiratória, sudorese28 e salivação excessivas, diarreia29, febre30 alta e de difícil controle, chegando até a coma31 e morte.

Como o médico diagnostica a intoxicação por estricnina1?

diagnóstico32 de intoxicação por estricnina1 é feito associando-se a história de exposição à substância com os sinais33 clínicos da intoxicação e a análise química, pesquisando a presença de estricnina1 nas amostras biológicas (vômito34, conteúdo gástrico35, soro36 ou urina37).

Nos casos de morte, a pesquisa pode ser feita por autópsia38, principalmente nos casos envolvendo aspectos judiciais. A estricnina1 pode ser detectada no aspirado gástrico, urina37, sangue39 e tecidos através de uma variedade de métodos e embora esteja presente nos tecidos em níveis muito baixos (0,01 mg/L), sua detecção é possível e resiste à putrefação no post mortem.

Um diagnóstico32 diferencial é essencial para afastar manifestações idênticas ou aproximadas de outras causas, como epilepsia40, intoxicação com simpaticomiméticos, tétano41 e rabdomiólise42, por exemplo.

Como o médico trata a intoxicação por estricnina1?

Não existe um antídoto43 específico para a estricnina1. As convulsões são desencadeadas frequentemente por estímulos exteriores (sons, luzes, toques, etc.) e por isso os pacientes devem ser mantidos em quartos silenciosos e escuros.

O tratamento do envenenamento por estricnina1 envolve a aplicação oral de uma infusão de carvão ativado que serve para absorver qualquer veneno do trato digestivo que ainda não tenha passado à corrente sanguínea. São administrados anticonvulsivantes para controlar as convulsões e relaxantes musculares para combater a rigidez muscular. 

Como evolui a intoxicação por estricnina1?

Se o paciente sobreviver às primeiras 24 horas após a intoxicação, a recuperação completa é provável. A morte, quando ocorre, geralmente é secundária à paralisia44 respiratória.

Leia sobre "Alucinose orgânica", "Intoxicação por monóxido de carbono45" e "Intoxicações medicamentosas".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente do site da U.S. National Library of Medicine.

ABCMED, 2022. Intoxicação por estricnina. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/sinais.-sintomas-e-doencas/1419075/intoxicacao-por-estricnina.htm>. Acesso em: 23 abr. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Estricnina: É uma substância extraída da casca e especialmente das sementes de plantas do gênero Strychnos, principalmente da noz-vômica (Strychnos nux-vomica). Ela pode ser usada como estimulante do sistema nervoso central ou como veneno.
2 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
3 Laxante: Que laxa, afrouxa, dilata. Medicamento que trata da constipação intestinal; purgante, purgativo, solutivo.
4 Cristalino: 1. Lente gelatinosa, elástica e convergente que focaliza a luz que entra no olho, formando imagens na retina. A distância focal do cristalino é modificada pelo movimento dos músculos ciliares, permitindo ajustar a visão para objetos próximos ou distantes. Isso se chama de acomodação do olho à distância do objeto. 2. Diz-se do grupo de cristais cujos eixos cristalográficos são iguais nas suas relações angulares gerais constantes 3. Diz-se de rocha constituída quase que totalmente por cristais ou fragmentos de cristais 4. Diz-se do que permite que passem os raios de luz e em consequência que se veja através dele; transparente. 5. Límpido, claro como o cristal.
5 Pele: Camada externa do corpo, que o protege do meio ambiente. Composta por DERME e EPIDERME.
6 Toxicidade: Capacidade de uma substância produzir efeitos prejudiciais ao organismo vivo.
7 Mucosas: Tipo de membranas, umidificadas por secreções glandulares, que recobrem cavidades orgânicas em contato direto ou indireto com o meio exterior.
8 Olhos:
9 Boca: Cavidade oral ovalada (localizada no ápice do trato digestivo) composta de duas partes
10 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
11 Intoxicação por chumbo: Intoxicação aguda ou crônica por chumbo ou por algum de seus sais. Também conhecida como Saturnismo ou Plumbismo, a intoxicação pelo chumbo ocorre quando o chumbo absorvido causa sinais e sintomas tais como náuseas, vômitos, linha azul na gengiva, aumento dos reticulócitos (reticulocitose); hemácias com granulações basófilas e elevada concentração de chumbo no sangue e na urina. Os principais achados clínicos são cólica, anemia, neurite, encefalopatia e tremores.
12 Saturnismo: Intoxicação aguda ou crônica por chumbo ou por algum de seus sais. Também conhecida como Plumbismo, a intoxicação pelo chumbo ocorre quando o chumbo absorvido causa sinais e sintomas tais como náuseas, vômitos, linha azul na gengiva, aumento dos reticulócitos (reticulocitose); hemácias com granulações basófilas e elevada concentração de chumbo no sangue e na urina. Os principais achados clínicos são cólica, anemia, neurite, encefalopatia e tremores.
13 Automedicação: Automedicação é a prática de tomar remédios sem a prescrição, orientação e supervisão médicas.
14 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
15 Medula Espinhal:
16 Enzimas hepáticas: São duas categorias principais de enzimas hepáticas. A primeira inclui as enzimas transaminasas alaninoaminotransferase (ALT ou TGP) e a aspartato aminotransferase (AST ou TOG). Estas são enzimas indicadoras do dano às células hepáticas. A segunda categoria inclui certas enzimas hepáticas como a fosfatase alcalina (FA) e a gamaglutamiltranspeptidase (GGT) as quais indicam obstrução do sistema biliar, quer seja no fígado ou nos canais maiores da bile que se encontram fora deste órgão.
17 Sistema nervoso: O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal e a porção periférica está constituída pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas.
18 Convulsão: Episódio agudo caracterizado pela presença de contrações musculares espasmódicas permanentes e/ou repetitivas (tônicas, clônicas ou tônico-clônicas). Em geral está associada à perda de consciência e relaxamento dos esfíncteres. Pode ser devida a medicamentos ou doenças.
19 Espasmos: 1. Contrações involuntárias, não ritmadas, de um ou vários músculos, podendo ocorrer isolada ou continuamente, sendo dolorosas ou não. 2. Qualquer contração muscular anormal. 3. Sentido figurado: arrebatamento, exaltação, espanto.
20 Espasticidade: Hipertonia exagerada dos músculos esqueléticos com rigidez e hiperreflexia osteotendinosa.
21 Inoculação: Ato ou efeito de inocular (-se); deixar entrar. Em medicina, significa introduzir (o agente de uma doença) em (organismo), com finalidade preventiva, curativa ou experimental.
22 Músculos: Tecidos contráteis que produzem movimentos nos animais.
23 Cabeça:
24 Pescoço:
25 Náuseas: Vontade de vomitar. Forma parte do mecanismo complexo do vômito e pode ser acompanhada de sudorese, sialorréia (salivação excessiva), vertigem, etc .
26 Tonturas: O indivíduo tem a sensação de desequilíbrio, de instabilidade, de pisar no vazio, de que vai cair.
27 Vômitos: São a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. Podem ser classificados em: alimentar, fecalóide, biliar, em jato, pós-prandial. Sinônimo de êmese. Os medicamentos que agem neste sintoma são chamados de antieméticos.
28 Sudorese: Suor excessivo
29 Diarréia: Aumento do volume, freqüência ou quantidade de líquido nas evacuações.Deve ser a manifestação mais freqüente de alteração da absorção ou transporte intestinal de substâncias, alterações estas que em geral são devidas a uma infecção bacteriana ou viral, a toxinas alimentares, etc.
30 Febre: É a elevação da temperatura do corpo acima dos valores normais para o indivíduo. São aceitos como valores de referência indicativos de febre: temperatura axilar ou oral acima de 37,5°C e temperatura retal acima de 38°C. A febre é uma reação do corpo contra patógenos.
31 Coma: 1. Alteração do estado normal de consciência caracterizado pela falta de abertura ocular e diminuição ou ausência de resposta a estímulos externos. Pode ser reversível ou evoluir para a morte. 2. Presente do subjuntivo ou imperativo do verbo “comer.“
32 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
33 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
34 Vômito: É a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. Pode ser classificado como: alimentar, fecalóide, biliar, em jato, pós-prandial. Sinônimo de êmese. Os medicamentos que agem neste sintoma são chamados de antieméticos.
35 Conteúdo Gástrico: Conteúdo compreendido em todo ou qualquer segmento do TRATO GASTROINTESTINAL
36 Soro: Chama-se assim qualquer líquido de características cristalinas e incolor.
37 Urina: Resíduo líquido produzido pela filtração renal no organismo, estocado na bexiga e expelido pelo ato de urinar.
38 Autópsia: 1. Em medicina legal, necropsia ou autópsia é o exame minucioso de um cadáver, realizado por especialista qualificado, para determinar o momento e a causa da morte. 2. Exame, inspeção de si próprio. No sentido figurado, é uma análise minuciosa; crítica severa.
39 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
40 Epilepsia: Alteração temporária e reversível do funcionamento cerebral, que não tenha sido causada por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. Durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, que podem ficar restritos a esse local ou espalhar-se. Quando restritos, a crise será chamada crise epiléptica parcial; quando envolverem os dois hemisférios cerebrais, será uma crise epiléptica generalizada. O paciente pode ter distorções de percepção, movimentos descontrolados de uma parte do corpo, medo repentino, desconforto no estômago, ver ou ouvir de maneira diferente e até perder a consciência - neste caso é chamada de crise complexa. Depois do episódio, enquanto se recupera, a pessoa pode sentir-se confusa e ter déficits de memória. Existem outros tipos de crises epilépticas.
41 Tétano: Toxinfecção produzida por uma bactéria chamada Clostridium tetani. Esta, ao infectar uma ferida cutânea, produz uma toxina (tetanospasmina) altamente nociva para o sistema nervoso que produz espasmos e paralisia dos nervos afetados. Pode ser fatal. Existe vacina contra o tétano (antitetânica) que deve ser tomada sempre que acontecer um traumatismo em que se suspeita da contaminação por esta bactéria. Se a contaminação for confirmada, ou se a pessoa nunca recebeu uma dose da vacina anteriormente, pode ser necessário administrar anticorpos exógenos (de soro de cavalo) contra esta toxina.
42 Rabdomiólise: Síndrome caracterizada por destruição muscular, com liberação de conteúdo intracelular na circulação sanguínea. Atualmente, a rabdomiólise é considerada quando há dano secundário em algum órgão associado ao aumento das enzimas musculares. A gravidade da doença é variável, indo de casos de elevações assintomáticas de enzimas musculares até situações ameaçadoras à vida, com insuficiência renal aguda ou distúrbios hidroeletrolíticos. As causas da rabdomiólise podem ser classificadas em quatro grandes grupos: trauma ou lesão muscular direta, excesso de atividade muscular, defeitos enzimáticos hereditários ou outras condições clínicas.
43 Antídoto: Substância ou mistura que neutraliza os efeitos de um veneno. Esta ação pode reagir diretamente com o veneno ou amenizar/reverter a ação biológica causada por ele.
44 Paralisia: Perda total da força muscular que produz incapacidade para realizar movimentos nos setores afetados. Pode ser produzida por doença neurológica, muscular, tóxica, metabólica ou ser uma combinação das mesmas.
45 Monóxido de carbono: Gás levemente inflamável, incolor, inodoro e muito tóxico ao organismo.
Gostou do artigo? Compartilhe!

Pergunte diretamente a um especialista

Sua pergunta será enviada aos especialistas do CatalogoMed, veja as dúvidas já respondidas.