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Cloroquina e Coronavírus

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Cloroquina e Coronavírus: a questão

Nesses tempos de infecções1 e mortes por coronavírus, têm surgido várias tentativas de se obter uma vacina2 ou um tratamento contra a doença. O problema é que, premidos pela urgência3, os pesquisadores ainda não puderam seguir com tranquilidade os protocolos habituais das pesquisas científicas e fizeram afirmações que só podem ser tomadas como provisórias e que, por isso, estão sujeitas a muitas contestações. Uma delas, aventada a princípio por médicos chineses, é de que a cloroquina poderia ser eficaz no tratamento de pacientes graves com coronavírus.

A partir de então, muitos pesquisadores, no mundo todo, estão fazendo pesquisas com o uso da cloroquina e de um derivado seu, a hidroxicloroquina, no tratamento da infeção pelo coronavírus, ainda sem resultados conclusivos. Nesse meio tempo, as opiniões são divididas entre aqueles que defendem e os que reprovam o uso da medicação.

Leia sobre "Ibuprofeno e Coronavírus", "Nova cepa4 do coronavírus (SARS-CoV-2)" e "Mapeando o coronavírus".

O que é a cloroquina?

A cloroquina é um medicamento usado a várias décadas no tratamento da malária. Seu derivado, a hidroxicloroquina é usado também no tratamento de doenças inflamatórias das articulações5 e em casos de lúpus6. Tratam-se de medicações perigosas, que só devem ser tomadas com estrita vigilância médica, seja porque têm efeitos colaterais7 perigosos, seja porque têm contraindicações formais. Ambos os medicamentos têm uma margem terapêutica8 estreita, o que significa dizer que a distância entre a dose terapêutica8 e a dose tóxica é muito pequena.

Os efeitos colaterais7 dessas drogas são múltiplos e vão desde náuseas9, vômitos10 e erupções cutâneas11 até condições oftalmológicas, cardíacas e neurológicas graves. Uma dosagem excessiva pode ser perigosa e mesmo fatal.

Por outro lado, a cloroquina não deve ser tomada por pessoas com epilepsia12, miastenia13 gravis, psoríase14 ou outras doenças esfoliativas, e só pode ser tomada com cautela na presença de doença hepática15, distúrbios gastrointestinais, neurológicos e sanguíneos. Mesmo para tratar malária, a cloroquina não deve ser usada em pacientes que tenham porfiria16 cutânea17 tardia.

Cloroquina e coronavírus: a polêmica

Em fevereiro 2020, pesquisadores chineses aventaram pela primeira vez a possibilidade de que a cloroquina tivesse efeitos positivos no tratamento de pacientes infectados por coronavírus, e afirmaram ter obtido tais efeitos em ensaios clínicos18 com cem pacientes. Apesar desses estudos serem imprecisos, o médico francês Didier Raoult, diretor do Instituto e Hospital Universitário de doenças infecciosas em Marselha, retomou esse trabalho na França e passou a defender o uso da cloroquina como tratamento, tanto na mídia quanto nos vídeos que compartilha na internet. Afirmou que os resultados são ainda melhores quando a medicação é associada à azitromicina, podendo diminuir muito ou mesmo extinguir a carga viral. Muitos de seus colegas, no entanto, criticam sua campanha, em virtude da ausência de ensaios clínicos18 rigorosos.

Na França, o tratamento tem sido realizado também no Centro Hospitalar de Nice, onde depende do consentimento das famílias. Na Europa como um todo, um ensaio clínico foi lançado em vários países para testar quatro tratamentos experimentais, incluindo a hidroxicloroquina, um estudo que "incluirá pelo menos 800 pacientes franceses que sofrem de formas graves de Covid-19". Nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration) anunciou um "estudo clínico abrangente" sobre o assunto. No Brasil, o Ministério da Saúde19 autorizou o uso dos medicamentos cloroquina e hidroxicloroquina apenas para hospitais, para o tratamento de casos graves de coronavírus.

Afinal, estamos em meio a uma polêmica: de um lado estão aqueles que pedem cautela e que esperam os resultados de grandes ensaios clínicos18 realizados segundo a ortodoxia científica; de outro, aqueles que desejam acelerar o processo e administrar cloroquina extensivamente em nome de uma emergência20 de saúde19.

O que se sabe de certo quanto às relações entre cloroquina e o coronavírus?

  • Há muitos anos se sabe que a cloroquina e a hidroxicloroquina têm alguma ação antiviral. Contudo, ainda não há estudos conclusivos que comprovem que há benefícios no uso desses medicamentos para o tratamento do novo coronavírus.
  • A cloroquina não tem ação preventiva contra vírus21, inclusive o coronavírus. Se vier a ser demonstrado algum efeito, será para o tratamento de pacientes graves, internados.
  • A cloroquina não deve ser tomada como automedicação22, em virtude de seus efeitos colaterais7 perigosos.
  • O uso eventual da cloroquina não dispensa as habituais medidas de tratamento: intubação, ventilação23 e demais assistências de UTI.
Veja também sobre "Malária", "Animais que mais matam no mundo" e "Vírus21".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas dos sites da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e da U.S. National Library of Medicine.

ABCMED, 2020. Cloroquina e Coronavírus. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/covid-19/1364038/cloroquina-e-coronavirus.htm>. Acesso em: 19 mar. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
2 Vacina: Tratamento à base de bactérias, vírus vivos atenuados ou seus produtos celulares, que têm o objetivo de produzir uma imunização ativa no organismo para uma determinada infecção.
3 Urgência: 1. Necessidade que requer solução imediata; pressa. 2. Situação crítica ou muito grave que tem prioridade sobre outras; emergência.
4 Cepa: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
5 Articulações:
6 Lúpus: 1. É uma inflamação crônica da pele, caracterizada por ulcerações ou manchas, conforme o tipo específico. 2. Doença autoimune rara, mais frequente nas mulheres, provocada por um desequilíbrio do sistema imunológico. Nesta patologia, a defesa imunológica do indivíduo se vira contra os tecidos do próprio organismo como pele, articulações, fígado, coração, pulmão, rins e cérebro. Essas múltiplas formas de manifestação clínica, às vezes, podem confundir e retardar o diagnóstico. Lúpus exige tratamento cuidadoso por médicos especializados no assunto.
7 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
8 Terapêutica: Terapia, tratamento de doentes.
9 Náuseas: Vontade de vomitar. Forma parte do mecanismo complexo do vômito e pode ser acompanhada de sudorese, sialorréia (salivação excessiva), vertigem, etc .
10 Vômitos: São a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. Podem ser classificados em: alimentar, fecalóide, biliar, em jato, pós-prandial. Sinônimo de êmese. Os medicamentos que agem neste sintoma são chamados de antieméticos.
11 Cutâneas: Que dizem respeito à pele, à cútis.
12 Epilepsia: Alteração temporária e reversível do funcionamento cerebral, que não tenha sido causada por febre, drogas ou distúrbios metabólicos. Durante alguns segundos ou minutos, uma parte do cérebro emite sinais incorretos, que podem ficar restritos a esse local ou espalhar-se. Quando restritos, a crise será chamada crise epiléptica parcial; quando envolverem os dois hemisférios cerebrais, será uma crise epiléptica generalizada. O paciente pode ter distorções de percepção, movimentos descontrolados de uma parte do corpo, medo repentino, desconforto no estômago, ver ou ouvir de maneira diferente e até perder a consciência - neste caso é chamada de crise complexa. Depois do episódio, enquanto se recupera, a pessoa pode sentir-se confusa e ter déficits de memória. Existem outros tipos de crises epilépticas.
13 Miastenia: Perda das forças musculares ocasionada por doenças musculares inflamatórias. Por ex. Miastenia Gravis. A debilidade pode predominar em diferentes grupos musculares segundo o tipo de afecção (debilidade nos músculos extrínsecos do olho, da pelve, ou dos ombros, etc.).
14 Psoríase: Doença imunológica caracterizada por lesões avermelhadas com descamação aumentada da pele dos cotovelos, joelhos, couro cabeludo e costas juntamente com alterações das unhas (unhas em dedal). Evolui através do tempo com melhoras e pioras, podendo afetar também diferentes articulações.
15 Hepática: Relativa a ou que forma, constitui ou faz parte do fígado.
16 Porfiria: Constituem um grupo de pelo menos oito doenças genéticas distintas, além de formas adquiridas, decorrentes de deficiências enzimáticas específicas na via de biossíntese do heme, que levam à superprodução e acumulação de precursores metabólicos, para cada qual correspondendo um tipo particular de porfiria. Fatores ambientais, tais como: medicamentos, álcool, hormônios, dieta, estresse, exposição solar e outros desempenham um papel importante no desencadeamento e curso destas doenças.
17 Cutânea: Que diz respeito à pele, à cútis.
18 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
19 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
20 Emergência: 1. Ato ou efeito de emergir. 2. Situação grave, perigosa, momento crítico ou fortuito. 3. Setor de uma instituição hospitalar onde são atendidos pacientes que requerem tratamento imediato; pronto-socorro. 4. Eclosão. 5. Qualquer excrescência especializada ou parcial em um ramo ou outro órgão, formada por tecido epidérmico (ou da camada cortical) e um ou mais estratos de tecido subepidérmico, e que pode originar nectários, acúleos, etc. ou não se desenvolver em um órgão definido.
21 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
22 Automedicação: Automedicação é a prática de tomar remédios sem a prescrição, orientação e supervisão médicas.
23 Ventilação: 1. Ação ou efeito de ventilar, passagem contínua de ar fresco e renovado, num espaço ou recinto. 2. Agitação ou movimentação do ar, natural ou provocada para estabelecer sua circulação dentro de um ambiente. 3. Em fisiologia, é o movimento de ar nos pulmões. Perfusão Em medicina, é a introdução de substância líquida nos tecidos por meio de injeção em vasos sanguíneos.
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