Sobre o desejo de maternidade e de paternidade
Sobre o desejo de ter filhos
Freud salientou em várias oportunidades que existe nas pessoas um imperioso anseio por filhos, ideia que tem o aval de muitos outros pesquisadores e que pode ser facilmente comprovada pelas pessoas leigas. Uma reflexão sobre o assunto mostra que a inclinação coercitiva para gerar descendentes existe desde os seres mais primitivos, e no homem ela se mostra evidente como um imperativo da Natureza. O que parece ser uma decisão racional de ter filhos, de fato recobre um mandato da Natureza.
Na espécie humana, o anseio por filhos muitas vezes supera a razão e faz com que as mulheres engravidem sem querer. E para cada mulher que engravida sem querer, existe também um homem que gerou um filho sem querer. Raras mulheres ou homens passam pela vida sem gerar filhos, e se desse grupo retirarmos as pessoas que, embora desejando filhos, têm impedimentos de tê-los, restam raríssimas que fazem a opção consciente de não os ter. As pessoas parecem condenadas pela Natureza a procriar.
A tendência à procriação é uma força que age com independência da vontade e mesmo, muitas vezes, contra ela. Como as manifestações dela ultrapassam o plano da biologia, a cultura se desenvolveu e as sociedades se estruturaram com o objetivo de garanti-la. A sexualidade biológica parece ser apenas um dos meios pelo qual a compulsão a procriar se instrumentaliza e tem que ser levada adiante pela cultura. A plena evolução do ser humano depende também de um útero1 social.
Leia também sobre "Teste de gravidez2", "Diferenças entre infertilidade3 e esterilidade4", "Infertilidade3 feminina" e "Infertilidade3 masculina".
A tendência à geração de filhos começa na natureza
É impressionante a força com que as plantas e os animais, deixados a si mesmos, se reproduzem. A natureza liga à reprodução5 da vida tropismos inacreditáveis, migrações fantásticas e coreografias espetaculares. Mesmo aquilo que os homens denominam beleza é, para as plantas e animais, um dos zênites de seu processo reprodutivo e está destinado a atrair o parceiro do outro sexo. Ademais, o exemplar mais belo da espécie em geral apresenta maior perfeição biológica, e é o que está em condições de gerar as crias mais perfeitas e resistentes.
Também entre os homens, a perfeição estética cumpre papel semelhante. Ideias bonitas ou uma voz igualmente bonita, por exemplo, podem exercer atração sobre o outro sexo de igual importância que os fatores físicos. E isso para não falar de outros sinais6 distintivos ainda menos palpáveis, como a inteligência, segurança, assertividade e coragem, entre outros.
Entre os humanos, os casais homoafetivos, bem como os casais heterossexuais que não podem gerar filhos, mesmo estando satisfeitos em seus desejos sexuais, sentem a necessidade de filhos e frequentemente os “tem” a partir de adoções ou barrigas de aluguel, quando não por meios criminosos como raptos ou “compra” de bebês7. Mesmo o tabu do incesto, que parece ser uma regra eminentemente8 cultural, também atua a serviço da natureza, na conservação das espécies. Deixado a si, o incesto degeneraria a raça. Quando, por exceção, ele se realiza, a prevalência9 da procriação ainda se impõe: ele é muito mais frequente a partir de um parente masculino mais velho e uma mulher mais jovem, onde a geração é mais possível, que ao contrário, onde ela é menos provável. O amor erótico às pessoas próximas, familiares ou amigas muitas vezes tem um efeito mais inibitório que incitador de atrações sexuais.
A tendência à geração de filhos se espraia na cultura
Como a procriação não se resume em gerar crias, mas implica também em cuidar delas e fazer com que se reproduzam, os meios biológicos não são suficientes para garantir todos os expedientes necessários a isso, de modo que esses meios se estruturaram também como cultura. Sendo um desdobramento da natureza, a cultura tem suas raízes e seus protótipos na evolução longínqua.
Já nos animais existem prenúncios das condutas sociais humanas, que no princípio eram ligados à procriação. No decurso da filogênese10, certos comportamentos animais perderam sua função primitiva e se tornaram um cerimonial puramente simbólico, como as brincadeiras, por exemplo. Por outro lado, certas condutas instintivas que envolvem sons, danças, divisão de trabalho, hierarquizações, etc. também são formações que precedem o social. Mesmo nos animais, onde toda a energia sexual parece se escoar na geração de crias, a energia da procriação ainda sobra para realizar comportamentos sociais lúdicos, por meio dos quais eles aprendem a sobreviver.
Freud postulou que tudo o que não fosse uma expressão direta de instintos era consequência de sublimações, ou seja, de criações culturais. No entanto, o que ele chamou de sublimações pode ser entendido como formas culturais destinadas a sustentar a procriação.
As mulheres que têm impedimentos de gerar filhos em geral adotam ou se dedicam a outras crianças a que tratam como filhos, como a algum familiar, alunos, algum outro protegido e, inclusive, animais. Quando esses mecanismos substitutivos deixam de ser exercidos, as mulheres escoam a necessidade de maternagem11 sob alguma forma de cuidados sociais profissionais assistenciais, como professoras, enfermeiras, babás, cuidadoras, etc. Também os homens buscam realizar alguma forma de paternidade em suas atividades sociais; frequentemente eles são ditos serem os “pais” de suas obras.
Mas, qualquer pessoa que substitua a maternidade ou a paternidade por uma tarefa social, tem de fazer isso indefinida e insaciavelmente, como uma mina d’água que quanto mais jorra mais tem a jorrar. O desejo fundamental da maternidade ou da paternidade nunca fica inteiramente saciado.
Veja um pouco mais sobre "Reprodução5 assistida", "Inseminação artificial" e "Fertilização12 in vitro".
Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites do CFP – Conselho Federal de Psicologia e do Jornal de Psicanálise.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.