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Do zigoto à morte encefálica: como a Medicina define os limites da vida humana

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Como a Medicina define vida?

A definição biológica de vida adotada pela Medicina refere-se às características que distinguem entidades vivas de entidades não vivas. A vida é um fenômeno complexo que pode ser compreendido através de critérios fundamentais estabelecidos pela comunidade científica.

Os critérios biológicos que definem a vida incluem:

  • Organização celular: todos os seres vivos são compostos por uma ou mais células1, que constituem as unidades básicas da vida.
  • Metabolismo2: realização de reações químicas para converter energia e matéria, permitindo crescimento, reprodução3 e manutenção das funções celulares. O metabolismo2 abrange processos anabólicos (síntese) e catabólicos (degradação), incluindo respiração, digestão4 e excreção.
  • Homeostase: capacidade de manter o equilíbrio do ambiente interno estável, apesar das mudanças no ambiente externo.
  • Reprodução3: habilidade de gerar descendentes, seja de forma assexuada ou sexuada, envolvendo ou não a combinação de material genético de dois organismos.
  • Crescimento e desenvolvimento: capacidade de aumentar em tamanho e complexidade, seguindo padrões específicos da espécie.
  • Irritabilidade/Responsividade: capacidade de responder a estímulos ambientais, como luz, temperatura, pH, pressão e presença de nutrientes ou toxinas5.
  • Adaptação evolutiva: capacidade de modificação ao longo do tempo em resposta a pressões ambientais, promovendo a adaptação e sobrevivência6 das espécies.

Adicionalmente, os seres vivos apresentam:

  • Organização hierárquica (desde moléculas até sistemas).
  • Informação genética (DNA/RNA).
  • Evolução como propriedade emergente.

Essas características se aplicam universalmente aos homens, animais, plantas e microrganismos. A complexidade e diversidade da vida geram exceções e debates contínuos, particularmente em casos limítrofes como os vírus7, que exibem algumas, mas não todas essas características, ou em situações de vida artificial e sintética.

Como a Medicina define morte?

A morte, do ponto de vista médico-biológico, representa a cessação irreversível das funções vitais de um organismo. É importante distinguir entre diferentes tipos de morte:

  • Morte celular: em organismos multicelulares8, células1 individuais podem morrer sem comprometer o organismo. Ocorre por:
    • Necrose9: morte celular patológica devido a danos irreparáveis.
    • Apoptose10: morte celular programada, essencial para desenvolvimento e homeostase.
    • Autofagia: processo de degradação celular controlada.
  • Morte clínica: refere-se à cessação das funções cardíaca e respiratória. Historicamente considerada o critério definitivo de morte, atualmente pode ser um estado reversível devido aos avanços em reanimação cardiopulmonar e tecnologia médica.
  • Morte cerebral11: cessação irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo o tronco cerebral12. É amplamente aceita na medicina moderna como o critério determinante para a morte legal na maioria dos países.
  • Morte biológica: deterioração irreversível de células1 e tecidos, representando a morte definitiva.

Os critérios para morte cerebral11 incluem:

  • Coma13 irreversível
  • Ausência de reflexos do tronco cerebral12
  • Ausência de respiração espontânea (teste de apneia14)
  • Confirmação através de exames complementares quando necessário (EEG, doppler transcraniano, angiografia15 cerebral).

Do ponto de vista biológico, quando se inicia a vida humana?

A questão do início da vida humana envolve múltiplas perspectivas biológicas, cada uma com marcos específicos.

Perspectiva da fertilização16

A visão17 mais amplamente aceita entre biólogos e embriologistas estabelece que a vida humana inicia na fecundação18, quando espermatozoide19 e óvulo20 se fusionam formando o zigoto21. Esta célula22 diploide23 contém o genoma completo único do novo indivíduo.

Marcos do desenvolvimento embrionário:

  • Clivagem: divisão celular pós-fertilização16.
  • Implantação: aproximadamente 6-7 dias pós-fertilização16, quando o blastocisto se fixa na parede uterina e estabelece comunicação materno-fetal.
  • Gastrulação: 2-3 semanas pós-fertilização16, com diferenciação das três camadas germinativas (ectoderma24, mesoderma, endoderma25).
  • Neurulação: 3-4 semanas, com formação do tubo neural26.
  • Atividade cardíaca: início da 5ª semana de gestação.

Outras perspectivas consideram:

  • Capacidade de sensação (desenvolvimento do sistema nervoso27)
  • Viabilidade extrauterina (aproximadamente 22-24 semanas)
  • Nascimento e respiração independente

Do ponto de vista estritamente biológico, o consenso científico predominante estabelece a fertilização16 como o marco inicial da vida humana individual, pois representa a formação de uma nova entidade biológica com genoma único e potencial de desenvolvimento autônomo.

Saiba mais sobre "Doação de órgãos" e "Transplante de órgãos".

Do ponto de vista biológico, quando termina a vida humana?

A determinação do fim da vida humana evoluiu significativamente com os avanços médicos e tecnológicos.

  • Perspectiva histórica: tradicionalmente, a morte era determinada pela cessação das funções cardiorrespiratórias. Casos históricos de "morte aparente" evidenciaram as limitações deste critério, incluindo relatos de indivíduos que recuperaram funções vitais após serem considerados mortos.
  • Evolução conceitual: com o desenvolvimento de tecnologias de suporte vital, a definição tradicional tornou-se inadequada, pois paradas cardiorrespiratórias podem ser revertidas.
  • Critério atual: morte cerebral11.

Atualmente, a morte cerebral11 constitui o critério médico-legal predominante para determinação da morte. Caracteriza-se pela cessação irreversível de todas as funções cerebrais.

Diagnóstico28 de morte cerebral11:

  • Pré-requisitos: coma13 de causa conhecida, ausência de intoxicações ou hipotermia29.
  • Exame neurológico: coma13 não responsivo, ausência de reflexos do tronco cerebral12.
  • Teste de apneia14: ausência de respiração espontânea.
  • Exames complementares: EEG, doppler transcraniano, cintilografia30 cerebral (quando indicados).
  • Período de observação: conforme protocolos institucionais e legais.

Controvérsias contemporâneas:

  • Morte de tronco cerebral12 versus morte de cérebro31 total.
  • Critérios em populações específicas (neonatos32, crianças).
  • Aspectos éticos e religiosos.
  • Casos de consciência mínima e estados vegetativos persistentes.

Portanto, biologicamente, a vida humana é considerada encerrada com a morte cerebral11, mesmo que funções corporais possam ser mantidas artificialmente, pois representa a perda irreversível da capacidade de integração neurológica e consciência.

Leia também sobre "Eutanásia" e "Estado vegetativo".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, da Revista Pesquisa FAPESP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

ABCMED, 2025. Do zigoto à morte encefálica: como a Medicina define os limites da vida humana. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/1491730/do-zigoto-a-morte-encefalica-como-a-medicina-define-os-limites-da-vida-humana.htm>. Acesso em: 14 jul. 2025.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
2 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
3 Reprodução: 1. Função pela qual se perpetua a espécie dos seres vivos. 2. Ato ou efeito de reproduzir (-se). 3. Imitação de quadro, fotografia, gravura, etc.
4 Digestão: Dá-se este nome a todo o conjunto de processos enzimáticos, motores e de transporte através dos quais os alimentos são degradados a compostos mais simples para permitir sua melhor absorção.
5 Toxinas: Substâncias tóxicas, especialmente uma proteína, produzidas durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capazes de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
6 Sobrevivência: 1. Ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir. 2. Característica, condição ou virtude daquele ou daquilo que subsiste a um outro. Condição ou qualidade de quem ainda vive após a morte de outra pessoa. 3. Sequência ininterrupta de algo; o que subsiste de (alguma coisa remota no tempo); continuidade, persistência, duração.
7 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
8 Multicelulares: Composto de várias células, pluricelular, policelular.
9 Necrose: Conjunto de processos irreversíveis através dos quais se produz a degeneração celular seguida de morte da célula.
10 Apoptose: Morte celular não seguida de autólise, também conhecida como “morte celular programada“.
11 Morte cerebral: Um dos conceitos aceitos para MORTE CEREBRAL é o de que “O indivíduo que apresenta cessação irreversível das funções cardíaca e respiratória OU cessação irreversível de TODAS as funções de TODO o encéfalo, incluindo o tronco cerebral, está morto“. Esta definição estabeleceu a sinonímia entre MORTE ENCEFÁLICA e MORTE DO INDIVÍDUO. A nomenclatura MORTE ENCEFÁLICA tem sido preferida ao termo MORTE CEREBRAL, uma vez que para o diagnóstico clínico, existe necessidade de cessação das atividades do córtex e necessariamente, do tronco cerebral. Havendo qualquer sinal de persistência de atividade do tronco encefálico, não existe MORTE ENCEFÁLICA, portanto, o indivíduo não pode ser considerado morto. Como exemplos desta situação, podemos citar os anencéfalos, o estado vegetativo persistente e os casos avançados da Doença de Alzheimer. Ainda existem vários pontos de discussão sobre o conceito de MORTE CEREBRAL.
12 Tronco Cerebral: Parte do encéfalo que conecta os hemisférios cerebrais à medula espinhal. É formado por MESENCÉFALO, PONTE e MEDULA OBLONGA.
13 Coma: 1. Alteração do estado normal de consciência caracterizado pela falta de abertura ocular e diminuição ou ausência de resposta a estímulos externos. Pode ser reversível ou evoluir para a morte. 2. Presente do subjuntivo ou imperativo do verbo “comer.“
14 Apnéia: É uma parada respiratória provocada pelo colabamento total das paredes da faringe que ocorre principalmente enquanto a pessoa está dormindo e roncando. No adulto, considera-se apnéia após 10 segundos de parada respiratória. Como a criança tem uma reserva menor, às vezes, depois de dois ou três segundos, o sangue já se empobrece de oxigênio.
15 Angiografia: Método diagnóstico que, através do uso de uma substância de contraste, permite observar a morfologia dos vasos sangüíneos. O contraste é injetado dentro do vaso sangüíneo e o trajeto deste é acompanhado através de radiografias seriadas da área a ser estudada.
16 Fertilização: Contato entre espermatozóide e ovo, determinando sua união.
17 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
18 Fecundação: 1. Junção de gametas que resulta na formação de um zigoto; anfigamia, fertilização. 2. Ato ou efeito de fecundar (-se).
19 Espermatozóide: Célula reprodutiva masculina.
20 Óvulo: Célula germinativa feminina (haplóide e madura) expelida pelo OVÁRIO durante a OVULAÇÃO.
21 Zigoto: ÓVULO fecundado, resultante da fusão entre um gameta feminino e um masculino.
22 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
23 Diploide: 1. Na genética, significa que ou o que possui um conjunto duplo de cromossomos homólogos (diz-se especialmente de célula). Condição representada pelo número cromossômico "2n", o dobro do número haploide "n". 2. Vestido ou manto usado na Antiguidade, que dava duas voltas no corpo.
24 Ectoderma: A mais externa das três camadas germinativas de um embrião.
25 Endoderma: A mais interna das três camadas germinativas de um embrião.
26 Tubo neural: Estrutura embrionária que dará origem ao cérebro e à medula espinhal. Durante a gestação humana, o tubo neural dá origem a três vesículas: romboencéfalo, mesencéfalo e prosencéfalo.
27 Sistema nervoso: O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal e a porção periférica está constituída pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas.
28 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
29 Hipotermia: Diminuição da temperatura corporal abaixo de 35ºC.Pode ser produzida por choque, infecção grave ou em estados de congelamento.
30 Cintilografia: Procedimento que permite assinalar num tecido ou órgão interno a presença de um radiofármaco e acompanhar seu percurso graças à emissão de radiações gama que fazem aparecer na tela uma série de pontos brilhantes (cintilação); também chamada de cintigrafia ou gamagrafia.
31 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
32 Neonatos: Refere-se a bebês nos seus primeiros 28 dias (mês) de vida. O termo “recentemente-nascido“ refere-se especificamente aos primeiros minutos ou horas que se seguem ao nascimento. Esse termo é utilizado para enfocar os conhecimentos e treinamento da ressuscitação imediatamente após o nascimento e durante as primeiras horas de vida.

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