A morte e o morrer
Este assunto pode ser abordado sob diversos aspectos. Depois de uma breve digressão empírica passaremos a tratá-lo de um ponto de vista estritamente biológico, cientes de que assim estão sendo deixados de lado outros aspectos relevantes: legais, sociais, filosóficos, religiosos, etc.
Começaremos com um chavão: “a morte é que dá sentido à vida”. Esclareceremos com uma historieta fictícia: Um indivíduo cometeu um crime tão terrível que esperava ser condenado à morte. No entanto, conseguiu articular uma defesa tão brilhante que o tribunal o condenou à eternidade. De início, ele comemorou com júbilo e estardalhaço essa decisão. Mas, ao chegar à porta de saída pensou: “que fazer agora? Um curso de inglês?” “Ah, não. Deixa isso lá para o ano 3.000”; “Fazer uma viagem ao redor do mundo?” “Ah, não. Deixa isso para o ano 4.000”. Ou seja, é a morte que estrutura o viver. A eternidade a desfaz.
A vida para cada indivíduo transcorre entre um antes e um depois, delimitados no tempo. As suas atividades devem ser realizadas nesse intervalo. A única certeza que temos é que morreremos, embora não saibamos quanto tempo durará nossa vida. Daqui a cem anos quase todas as pessoas de hoje não mais existirão, nem mesmo o bebê que acabou de nascer. No entanto, cada geração deixa um legado para a geração seguinte e a sociedade está em contínua mudança, que nós chamamos “progresso”. A vida parece perene. O indivíduo não.
Do ponto de vista biológico, quando começa a vida?
Da concepção1 ao nascimento, o ser em gestação passa por diversas mudanças progressivas, de uma célula2 a um corpo inteiro, de maneira que mesmo do estrito ponto de vista biológico, há opiniões divergentes sobre quando começa a vida. Há os que acreditam que o início da vida se dá a partir da fecundação3; outros, da nidação4; e ainda outros, a partir da formação do sistema nervoso5. Há ainda os que pensam que a vida individual começa na 3ª semana de gravidez6, porque até 12 dias após a fecundação3 o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas (gêmeos).
Nas primeiras 8 semanas, o produto da concepção1 denomina-se embrião. Nesse período, todos os órgãos e sistemas se formam (organogênese). O bebê, que começou a desenvolver-se a partir de duas células7, chega ao final da quarta semana com milhões delas.
O período fetal inicia-se a partir da 10ª semana pós-concepção1 e vai até o nascimento. Nessa etapa, o bebê será chamado de feto8 e os órgãos já formados sofrerão um processo de crescimento e amadurecimento, até se apresentarem em plenas condições de funcionamento no final da gestação. De uma maneira geral, o bebê estará pronto para vir ao mundo com 40 semanas. Mas esse período varia entre 37 e 42 semanas.
Leia sobre "Gestação semana a semana", "Aborto - o que é e o que deve ser feito quando ocorre" e "Apoptose9".
O que é a morte e o morrer?
Em condições normais, com o passar do tempo ocorre um processo degenerativo10 dos órgãos, até o ponto em que não haverá mais condições de propagação de sinais11 químicos ou elétricos para o funcionamento das funções vitais, implicando a chamada morte natural, por velhice. Da mesma forma que é difícil determinar-se em que momento se inicia a vida, pode ser difícil determinar o momento da morte.
Normalmente, fala-se de morte quando há uma paralisação irreversível das funções biológicas que caracterizam a vida, mas determinadas doenças (catalepsia, por exemplo) e condições fisiológicas12 (morte cerebral13, por exemplo) podem complicar a questão, ao mimetizarem a morte. É possível que uma pessoa continue viva, mas sem sinal14 de atividade cerebral. Nestas condições, tecidos e órgãos vivem por algum tempo e podem, por exemplo, continuar exercendo algumas de suas funções e ser usados para transplantes.
Entre os animais, certas situações em que ocorre uma latência15 ("cessar") metabólica, como a hibernação e a criptobiose (estado de latência15 metabólica em que entram alguns animais quando se encontram em condições adversas do meio ambiente como temperaturas extremas), por exemplo, que podem durar meses, põem em questão a irreversibilidade da cessação das funções vitais.
De uma forma nada científica, algumas pessoas (Walt Disney, por exemplo, para falar apenas de uma pessoa famosa!) têm a esperança de que futuros avanços científicos e tecnológicos possam trazê-las de volta à vida e fazem conservar seus corpos em tanques refrigerados.
Em 1846, a Academia de Ciências de Paris aceitou que a morte significa a ausência de respiração, de circulação16 e de batimentos cardíacos. Contudo, verificou-se depois que essa definição não está rigorosamente correta em todos os seus detalhes. Uma pessoa decapitada pode ter batimentos cardíacos por uma hora, o que não quer dizer que ela esteja viva. Além disso, com o desenvolvimento da ressuscitação cardiopulmonar e da desfibrilação, surgiu um dilema: ou a definição de morte estava errada, ou técnicas que realmente ressuscitavam uma pessoa foram descobertas: em vários casos, respiração e pulso cardíaco são realmente restabelecidos após terem cessado.
Em vista da nova tecnologia, atualmente uma nova definição médica de morte é conhecida como morte cerebral13. Mas mesmo sobre a morte cerebral13 há divergências. Há os que mantêm que apenas deve ser considerada a atividade elétrica responsável pelo controle de atividades vitais essenciais e os que acreditam que deve ser levada em conta aquela diretamente associada ao apagamento da consciência.
Mesmo que se chegue a uma definição precisa da morte, a determinação dela ainda continuaria a ser difícil. A história médica contém algumas referências a pessoas que foram declaradas mortas por médicos e que posteriormente foram reconhecidas vivas.
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Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da FAPESP – Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo e do Centro Universitário São Camilo.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.