Doença de Fabry: a herança genética que afeta múltiplos órgãos
O que é a doença de Fabry?
A doença de Fabry é uma doença genética rara, hereditária e ligada ao cromossomo1 X, pertencente ao grupo das doenças lisossômicas de depósito. É causada por acúmulo anormal de lipídios, especialmente glicoesfingolipídios, em diversos tecidos do corpo, principalmente pele2, rins3, coração4, sistema nervoso central5 e olhos6, o que explica a variedade de seus sintomas7.
Existem duas formas clínicas da doença: (1) o tipo clássico, em que os sintomas7 surgem na infância ou adolescência, às vezes já no primeiro ou segundo ano de vida; e (2) o tipo de início tardio, em que os sintomas7 aparecem geralmente após os 30 anos de idade.
A doença foi descrita em 1898, de forma independente, por Johannes Fabry, dermatologista alemão, e William Anderson, cirurgião inglês. Por isso, também é conhecida como doença de Anderson-Fabry.
Quais são as causas da doença de Fabry?
A doença de Fabry é causada por uma mutação8 no gene GLA, localizado no cromossomo1 X, que leva à deficiência ou ausência da enzima9 alfa-galactosidase A (α-Gal A). Essa enzima9 é essencial para o metabolismo10 normal dos glicoesfingolipídios.
Quando há mutações no gene GLA, a atividade enzimática da α-Gal A fica total ou parcialmente comprometida, levando ao acúmulo progressivo de esfingolipídios (principalmente globotriaosilceramida [Gb3]) nos lisossomos das células11, o que causa disfunção celular e os múltiplos sintomas7 da doença.
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Qual é o substrato fisiopatológico da doença de Fabry?
A enzima9 α-galactosidase A é responsável por degradar o glicoesfingolipídio Gb3. Na sua ausência ou deficiência, o Gb3 se acumula em células11 endoteliais, neurônios12, cardiomiócitos, podócitos13 renais e outros tipos celulares.
Esse acúmulo leva à formação de inclusões intracelulares características (corpos lamelares ou corpos de zebra), que comprometem a função celular. A disfunção endotelial decorrente causa inflamação14 crônica, espessamento da parede vascular15 e vasculopatia difusa, predispondo a isquemia16 e fibrose17 tecidual, o que explica a progressiva disfunção orgânica multissistêmica observada na doença.
Quais são as características clínicas da doença de Fabry?
Os sintomas7 variam conforme o tipo da doença e o sexo do paciente, já que homens tendem a apresentar manifestações mais graves.
Entre os sintomas7 mais comuns estão:
- Dor neuropática18 (queimação, formigamento ou dor nas mãos19 e pés)
- Crises de dor durante esforço físico ou febre20
- Intolerância ao calor ou frio
- Hipohidrose ou anidrose
- Lesões21 cutâneas22 escuras (angioceratomas), especialmente em tronco e região genital
Outras manifestações incluem fadiga23, tontura24, zumbido, perda auditiva, alterações corneanas (córnea25 verticillata, visível à lâmpada de fenda), sintomas7 gastrointestinais (diarreia26, constipação27, dor abdominal), além de proteinúria28 e edema29 periférico decorrentes do comprometimento renal30. Em casos avançados, surgem complicações cardíacas, renais e neurológicas potencialmente graves.
Como o médico diagnostica a doença de Fabry?
O diagnóstico31 é frequentemente tardio, pois os sintomas7 são inespecíficos e variados.
O processo diagnóstico31 inclui:
- História clínica detalhada e exame físico, com investigação de antecedentes familiares.
- Dosagem da atividade da enzima9 α-Gal A no sangue32 ou em leucócitos33.
- Sequenciamento do gene GLA para confirmar a mutação8 e permitir o aconselhamento genético.
- Biópsias34 (pele2, rim35 ou coração4) em casos duvidosos, que irão mostrar depósitos lisossomais típicos.
- Em alguns países, triagem neonatal para detecção precoce da doença.
Nas mulheres portadoras, o diagnóstico31 enzimático pode ser inconclusivo, sendo necessário o teste genético molecular.
Como o médico trata a doença de Fabry?
O tratamento deve ser iniciado precocemente, com o objetivo de reduzir a progressão e prevenir complicações irreversíveis.
A terapia de reposição enzimática (TRE) com alfa-galactosidase A recombinante é o tratamento específico, capaz de reduzir o acúmulo de Gb3 e atenuar os sintomas7, embora não represente cura. Há ainda terapias farmacológicas de estabilização enzimática (chaperonas farmacológicas), indicadas em pacientes com determinadas mutações que preservam alguma atividade da enzima9.
O tratamento de suporte é fundamental e envolve medidas voltadas ao alívio dos sintomas7 e prevenção de complicações. O manejo da dor neuropática18 pode ser feito com analgésicos36, anticonvulsivantes ou antidepressivos tricíclicos. As manifestações gastrointestinais podem ser controladas com ajustes dietéticos e uso de medicamentos específicos. O controle da hipertensão arterial37 e da proteinúria28 deve ser realizado com inibidores da ECA ou bloqueadores dos receptores da angiotensina II, que também ajudam a proteger a função renal30. As complicações cardíacas exigem acompanhamento regular e tratamento de arritmias38 ou insuficiência cardíaca39, enquanto a disfunção renal30 pode evoluir para necessidade de diálise40 ou transplante renal30. O cuidado com a pele2 e prevenção de úlceras41 também deve ser incluído no manejo geral.
O aconselhamento genético é essencial para orientar o paciente e familiares sobre o padrão de herança e o risco de transmissão, e o suporte psicológico auxilia no enfrentamento emocional da doença crônica.
Como evolui a doença de Fabry?
A evolução é progressiva e multissistêmica. Os sintomas7 iniciam-se na infância e agravam-se na vida adulta, culminando em comprometimento renal30, cardíaco e neurológico.
Sem tratamento, a expectativa de vida42 é reduzida em 15 a 20 anos, principalmente devido a falência renal30 terminal, arritmias38 e insuficiência cardíaca39. A introdução da terapia de reposição enzimática tem melhorado significativamente o prognóstico43 e a qualidade de vida.
Quais são as complicações possíveis da doença de Fabry?
As principais complicações envolvem o coração4, os rins3 e o sistema nervoso44. O acúmulo de Gb3 no miocárdio45 pode levar a cardiomiopatia hipertrófica, arritmias38, infarto do miocárdio46 e insuficiência cardíaca39. O comprometimento renal30 manifesta-se por proteinúria28 progressiva, insuficiência renal47 crônica e falência renal30 terminal. Já as complicações neurológicas incluem neuropatia periférica48, acidentes vasculares49 cerebrais (AVC) e ataques isquêmicos transitórios.
Esses eventos, que normalmente ocorrem apenas em pessoas idosas, podem aparecer precocemente em pacientes jovens, reforçando a importância do diagnóstico31 e tratamento precoces.
Veja sobre "Insuficiência cardíaca39", "Insuficiência renal47 aguda" e "Falência múltipla de órgãos".
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.










