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Covid-19: quais novas variantes do coronavírus estão surgindo e como estão sendo investigadas?

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A nova variante mais transmissível do SARS-CoV-2 encontrada na Inglaterra é apenas uma das muitas variações do vírus1 detectadas em todo o mundo. Uma publicação do periódico The British Medical Journal (The BMJ) analisou o que sabemos até agora a respeito dessas novas variantes do coronavírus.

O que sabemos sobre a nova variante emergindo do Brasil?

Esta variante, conhecida como P.1 ou VOC202101/02 no Reino Unido, foi detectada pela primeira vez em viajantes do Brasil que chegaram ao Japão em janeiro de 2021. Envolve 17 alterações únicas de aminoácidos, três deleções, quatro mutações sinônimas e uma inserção de 4nt. Tem várias mutações conhecidas pela sua importância biológica, incluindo E484K e N501Y.

A mutação2 N501Y, que é também uma característica da variante inglesa,[1] foi ligada ao aumento da infecciosidade e virulência3 em modelos de rato.[2] Entretanto, pensa-se que a mutação2 E484K esteja associada à fuga dos anticorpos4 neutralizantes produzidos pelo corpo contra o SARS-CoV-2.[3] Esta mutação2 também está presente na variante sul-africana.

A P.1 ainda não foi detectada no Reino Unido, e foram impostas proibições de viagem para tentar impedir que ela chegue ao país. Existe, no entanto, outra variante do Brasil (conhecida como VUI202101/01 no Reino Unido) que contém um pequeno número de mutações que foi encontrada no Reino Unido. Desde 14 de Janeiro de 2021, oito casos desta variante - que parece ser menos preocupante - foram confirmados. A Public Health England (PHE) disse que a "propagação e o significado desta variante continuam sob investigação".

Susan Hopkins, diretora de resposta estratégica da PHE, disse: "Por enquanto, o nosso conselho após a detecção de uma variante brasileira no Reino Unido permanece o mesmo, embora esta não seja a variante detectada em Manaus com mais mutações: a melhor maneira de parar a propagação do vírus1 é lavar as mãos5, usar uma máscara facial e manter a distância dos outros. Enquanto estivermos em lockdown, é importante que fiquemos em casa, a menos que seja absolutamente essencial sair".

O que sabemos sobre a variante sul-africana?

A variante sul-africana surgiu por volta do mesmo período que a inglesa e desde então tem sido detectada em pelo menos 20 países. Dados genômicos da África do Sul sugerem que a variante, conhecida como 501Y.V2, tomou rapidamente o lugar outras linhagens circulantes no país, uma vez que parece ter uma carga viral mais elevada e é, portanto, mais transmissível.[4] Esta variante partilha semelhanças com as variantes inglesa e brasileira, na medida em que contém as mutações da proteína spike N501Y e E484K.

Leia sobre "Tempo de permanência do coronavírus nas diferentes superfícies" e "Orientações para isolamento domiciliar de casos de COVID-19".

Será que as vacinas atuais funcionam contra as variantes brasileira, inglesa e sul-africana?

As três principais vacinas - Pfizer BioNTech, Moderna e Oxford AstraZeneca - têm como alvo a proteína spike do vírus1, onde estas variantes têm mutações. Os investigadores ainda estão bastante confiantes, contudo, de que as vacinas funcionarão contra elas - embora não tenham a certeza se a proteção poderia ser reduzida - porque a proteína spike é tão grande que muitas mutações seriam necessárias para escapar completamente. Estão agora em curso estudos para testar se as vacinas são eficazes contra essas novas variantes.

Poderá o vírus1 ainda sofrer mutações para escapar às vacinas?

Numa entrevista com o BMJ,[5] Andrew Pollard, que lidera os ensaios clínicos6 da vacina7 de Oxford, disse que o período crucial será quando muitas pessoas forem vacinadas, uma vez que isto colocará o vírus1 sob muita pressão. "Quando isso acontece, alguns vírus1 simplesmente não conseguem competir contra essa imunidade8. Será que vai sofrer uma mutação2 em vez disso? Com este coronavírus ainda não sabemos a resposta a essa pergunta e é por isso que a vigilância vai ser crítica no próximo ano para garantir que não estamos numa posição em que, no ponto da imunização9 da população, o vírus1 escape. E se o fizer, precisamos saber disso, para que possamos redesenhar as vacinas", disse Pollard. Ele acrescentou que as vacinas Pfizer, Moderna e Oxford são "relativamente simples de redesenhar para uma nova variante".

Existe alguma ligação entre os ensaios da vacina7 de Oxford realizados no Brasil e na África do Sul e as novas variantes?

Pollard não pensa assim. Ele disse ao BMJ: "O número de pessoas nos ensaios de vacinas é tão pequeno que é pouco provável que os nossos esforços pressionem o vírus1 a selecionar novas variantes. A maioria dos ensaios tem apenas algumas centenas de pessoas vacinadas em cidades de centenas de milhares ou milhões de pessoas. Penso que a vacinação não tem nada a ver com novas variantes hoje".

Ele explicou, contudo, que as variantes podem estar a surgir no Brasil e na África do Sul devido à elevada transmissão (com até 40-50% das pessoas sendo infectadas) em populações que vivem em condições de grande aglomeração. Pollard disse: "Nesses cenários, serão selecionadas variantes do vírus1 que surjam e que sejam capazes de se propagar, apesar da imunidade8 pós-infecção10 existente. Se for esse o caso, isso não significa necessariamente que vamos nos encontrar numa posição em que as vacinas não funcionem contra a hospitalização ou doença grave, mas pode ser mais difícil prevenir doenças mais brandas e a transmissão. Precisamos monitorar a situação cuidadosamente e resolver o processo que seria necessário para ajustar a vacina7, caso surja a necessidade".

Como o Reino Unido monitora e estuda novas variantes?

O consórcio Covid-19 Genomics UK (COG-UK) está realizando um sequenciamento rápido e em grande escala de todo o genoma de amostras de vírus1, o que lhe permite identificar novas variantes. Atualmente, fornece 48% dos dados genômicos fornecidos ao GISAID, uma iniciativa global que efetua a vigilância em tempo real da pandemia11.

O consórcio G2P-UK National Virology foi lançado para trabalhar com o COG-UK para estudar como as mutações podem afetar os principais resultados, a transmissibilidade das variantes, a gravidade da doença que causam e a sua resposta às vacinas e aos tratamentos.

O grupo é liderado por Wendy Barclay, chefe de doenças infecciosas e presidente de virologia da gripe12 no Imperial College London. Ela disse em um comunicado do Science Media Centre que havia duas variantes no Brasil a serem observadas - uma que foi recolhida em alguns viajantes no Japão e a outra que é mais prevalente no Brasil neste momento. Ela acrescentou: "As sequências que estão na proteína spike lá, estão no domínio receptor da proteína spike. Estudos de outros grupos e os nossos próprios sugerem que podem ter impacto na forma como os anticorpos4 de algumas pessoas podem ver o vírus1. É importante que realizemos este trabalho agora e o realizemos cuidadosamente em vários laboratórios diferentes para realmente firmar esses resultados, porque eles têm grandes implicações".

Como serão investigadas as novas variantes?

Michael Malim, co-líder do G2P-UK do King's College London, disse: "Uma vez identificada uma sequência de interesse, seremos capazes de sintetizar esse gene da proteína spike e fazer partículas de vírus1 no laboratório. Depois testaremos a sensibilidade desse vírus1 à inibição da infecção10 em modelos de laboratório a uma gama de soros de vacinas e infecções13 naturais, e saberemos se há uma mudança. Levaria cerca de duas a três semanas desde saber qual a sequência em que se deve concentrar até a obtenção desses resultados. Assim, muito rapidamente, saberíamos onde a variante, por exemplo, poderia potencialmente romper com a vacinação".

Os países estão colaborando à medida que surgem as variantes?

Um sistema de vigilância global é algo em que a Organização Mundial de Saúde14 está trabalhando, de acordo com Barclay. Ela disse: "Um grupo como o nosso poderia desempenhar um papel. Os sistemas de vigilância e atualização exigirão a biologia básica. Eles precisam de uma biologia de base que venha dos estudos que nós, e outros grupos em todo o mundo, fazemos. Isso irá alimentar o esboço de plano da OMS para a forma como lidamos com este vírus1, que estará conosco num futuro previsível".

 

» Veja o artigo completo em inglês no BMJ de 18 de janeiro de 2021.

 

Referências

[1] Covid-19: What have we learnt about the new variant in the UK? | Link

[2] Preliminary genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in the UK defined by a novel set of spike mutations. | Link

[3] Genomic characterization of a novel SARS-CoV-2 lineage from Rio de Janeiro, Brazil. | Link

[4] SARS-CoV-2 variants. | Link

[5] How the Oxford-AstraZeneca covid-19 vaccine was made. | Link

 

ABCMED, 2021. Covid-19: quais novas variantes do coronavírus estão surgindo e como estão sendo investigadas?. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/covid-19/1387325/covid-19-quais-novas-variantes-do-coronavirus-estao-surgindo-e-como-estao-sendo-investigadas.htm>. Acesso em: 19 mar. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
2 Mutação: 1. Ato ou efeito de mudar ou mudar-se. Alteração, modificação, inconstância. Tendência, facilidade para mudar de ideia, atitude etc. 2. Em genética, é uma alteração súbita no genótipo de um indivíduo, sem relação com os ascendentes, mas passível de ser herdada pelos descendentes.
3 Virulência: 1. Qualidade ou estado do que é ou está virulento. 2. Capacidade de um vírus ou bactéria de se multiplicar dentro de um organismo, provocando doença. 3. No sentido figurado, caráter daquilo ou daquele que está carregado de violência ou de ímpeto violento.
4 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
5 Mãos: Articulação entre os ossos do metacarpo e as falanges.
6 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
7 Vacina: Tratamento à base de bactérias, vírus vivos atenuados ou seus produtos celulares, que têm o objetivo de produzir uma imunização ativa no organismo para uma determinada infecção.
8 Imunidade: Capacidade que um indivíduo tem de defender-se perante uma agressão bacteriana, viral ou perante qualquer tecido anormal (tumores, enxertos, etc.).
9 Imunização: Processo mediante o qual se adquire, de forma natural ou artificial, a capacidade de defender-se perante uma determinada agressão bacteriana, viral ou parasitária. O exemplo mais comum de imunização é a vacinação contra diversas doenças (sarampo, coqueluche, gripe, etc.).
10 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
11 Pandemia: É uma epidemia de doença infecciosa que se espalha por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a pandemia pode se iniciar com o aparecimento de uma nova doença na população, quando o agente infecta os humanos, causando doença séria ou quando o agente dissemina facilmente e sustentavelmente entre humanos. Epidemia global.
12 Gripe: Doença viral adquirida através do contágio interpessoal que se caracteriza por faringite, febre, dores musculares generalizadas, náuseas, etc. Sua duração é de aproximadamente cinco a sete dias e tem uma maior incidência nos meses frios. Em geral desaparece naturalmente sem tratamento, apenas com medidas de controle geral (repouso relativo, ingestão de líquidos, etc.). Os antibióticos não funcionam na gripe e não devem ser utilizados de rotina.
13 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
14 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
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