Gostou do artigo? Compartilhe!

Discurso circunstancial - entenda esse padrão de pensamento e fala

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie este artigo

O que é discurso circunstancial?

O discurso circunstancial é também chamado, por vezes, de circunstancialidade, mas esse termo pode ter diferentes significados dependendo do contexto em que é usado. No âmbito da Psicologia e da Psiquiatria, “circunstancialidade” ou “discurso circunstancial” refere-se a um padrão de pensamento e fala em que a pessoa fornece uma quantidade excessiva de detalhes que têm pouca ou nenhuma relação com o tema em causa, tornando difícil para os outros discernir quais informações são importantes.

Um indivíduo que apresenta essa característica inclui em seu discurso informações desnecessárias que, embora às vezes possam ser interessantes, desviam a atenção do tema central ou do ponto principal da conversa. A inclusão excessiva de informações estranhas pode tornar difícil e enfadonho seguir a linha de pensamento do orador ou chegar a uma resposta significativa a uma pergunta. Extrair informações em situações clínicas de pacientes com discursos circunstanciais pode ser difícil e demorado.

O discurso circunstancial é um exagero do pensamento usualmente chamado de prolixo, que torna o interlocutor impaciente e, às vezes, irritado.

Quais são as causas do discurso circunstancial?

O discurso circunstancial pode ser encontrado em transtorno psicótico breve, transtorno esquizoafetivo ou esquizofrenia1. Também pode se manifestar em pessoas com transtornos de humor, como no transtorno bipolar, por exemplo. Embora raramente, pode ser encontrado em indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo. O discurso circunstancial pode ainda fazer parte de algumas síndromes epilépticas, particularmente em indivíduos com lesões2 no lobo temporal3.

Em pessoas consideradas sadias, o discurso circunstancial parece ser um (mau) hábito adquirido ao longo da vida.

Leia também sobre "Paranoia", "Neurose4", "Psicose5" e "Surto psicótico".

Qual é o substrato biopsíquico do discurso circunstancial?

Alterações dos neurotransmissores (dopamina6, serotonina, glutamato, etc.) têm sido associadas a vários distúrbios psiquiátricos causadores do discurso circunstancial. Essas alterações podem afetar a regulação da atenção, do processamento da informação e da organização do pensamento, contribuindo para o discurso circunstancial.

As pessoas com essa condição têm dificuldade em diferenciar informações relevantes das irrelevantes. No caso de transtornos obsessivo-compulsivos, o discurso circunstancial pode estar relacionado a rituais mentais compulsivos, nos quais a pessoa sente a necessidade de incluir detalhes específicos para aliviar a ansiedade associada à intrusão obsessiva.

Quais são as características clínicas do discurso circunstancial?

Junto com a tangencialidade e a fuga de ideias, o discurso circunstancial é um transtorno formal do pensamento. No entanto, o discurso circunstancial contém associações mais coerentes que a fuga de ideias, mais fáceis de seguir ou compreender, embora torne a fala muito enfadonha para o ouvinte.

Na fuga de ideias, o locutor “salta” de um ponto a outro, sem conexão, tornando sua comunicação incoerente e sem sentido. Ao contrário dos falantes tangenciais, os falantes circunstanciais acabam voltando ao ponto principal do discurso ou à resposta a uma pergunta, o que não acontece com aqueles primeiros.

Alguns exemplos talvez falem mais que uma apresentação teórica:

  • Um médico pode perguntar a seu paciente até que nível estudou. O paciente circunstancial pode começar por dizer que adorou o ensino médio e, em seguida, contar várias histórias longas de experiências acadêmicas e de viagens interessantes da faculdade antes de afirmar que se formou como bacharel.
  • Uma enfermeira pode perguntar a um paciente sobre uma alergia7 específica. O paciente pode começar listando algumas de suas alergias, depois narrar uma longa história de como entrou em choque anafilático8 após uma picada de abelha na infância e discutir um artigo interessante que leu recentemente em uma revista sobre as origens evolutivas das reações alérgicas, antes de finalmente chegar à resposta à pergunta inicial.
  • Eugen Bleuler, famoso psicopatologista alemão, criador do termo esquizofrenia1, conta que uma de suas pacientes escreveu à mãe uma carta que começava assim: “Es­tou escrevendo numa folha de papel. A caneta que uso é de uma fábrica chamada Perry & Co., a fábrica é na Inglaterra, suponho. Depois do nome Perry & Co. está gravado Londres, mas não o país. A cidade de Londres é na In­glaterra. Isso eu aprendi na escola”…

Em suma, quando a pessoa inclui em sua fala muitos detalhes irrelevantes, menciona coisas frouxamente relacionadas ao assunto, que não são importantes, conta histórias apenas ligeiramente relacionadas ao assunto e responde às perguntas com muito mais detalhes que o necessário e só volta ao ponto inicial depois de falar muitas outras coisas, ela está fazendo um discurso circunstancial.

Como o médico diagnostica o discurso circunstancial?

O diagnóstico9 do discurso circunstancial é eminentemente10 clínico. Na entrevista, o profissional de saúde11 mental pode observar a comunicação do paciente em termos de extensão e relevância das informações fornecidas. Pode observar também que o seu comportamento inclui muitos detalhes desnecessários ao falar ou escrever.

Algumas avaliações psicométricas podem incluir itens relacionados ao discurso circunstancial. Dependendo da situação e das suspeitas diagnósticas, o médico pode solicitar exames laboratoriais, de imagem ou outros testes para obter mais informações sobre a condição do paciente.

Como o médico trata o discurso circunstancial?

Em casos em que os fatores circunstanciais estão relacionados ao estresse, ansiedade ou problemas emocionais, o médico pode encaminhar o paciente com discurso circunstancial para um profissional de saúde11 mental ou oferecer aconselhamento.

Em situações complexas, o médico pode indicar também outros profissionais de saúde11, como psicólogos, assistentes sociais ou terapeutas ocupacionais, para fornecer uma abordagem mais abrangente.

Se houver uma condição médica subjacente relacionada, ela deve ser tratada pelo especialista correspondente. O tratamento psiquiátrico/psicológico, quando necessário, pode envolver terapia cognitivo12-comportamental, terapia da fala ou outras abordagens terapêuticas apropriadas.

Quais são as complicações possíveis com o discurso circunstancial?

Complicações possíveis com o discurso circunstancial incluem:

  1. Dificuldade de se fazer compreendido
  2. Demanda de um tempo prolongado de consulta
  3. Dificuldades de diagnóstico9 em virtude da profusão e imprecisão de detalhes
  4. Frustração para o paciente e para o profissional de saúde11 ao não conseguirem chegar a uma conclusão
  5. Impacto negativo nas interações sociais do paciente
  6. Necessidade de avaliações psiquiátricas mais aprofundadas
Veja sobre "O comer compulsivo", "Comprar mesmo sem precisar", "Tricotilomania" e "O hábito de roer as unhas13".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente do site da U.S. National Library of Medicine.

ABCMED, 2024. Discurso circunstancial - entenda esse padrão de pensamento e fala. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/psicologia-e-psiquiatria/1468492/discurso-circunstancial-entenda-esse-padrao-de-pensamento-e-fala.htm>. Acesso em: 1 mai. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Esquizofrenia: Doença mental do grupo das Psicoses, caracterizada por alterações emocionais, de conduta e intelectuais, caracterizadas por uma relação pobre com o meio social, desorganização do pensamento, alucinações auditivas, etc.
2 Lesões: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
3 Lobo temporal:
4 Neurose: Doença psiquiátrica na qual existe consciência da doença. Caracteriza-se por ansiedade, angústia e transtornos na relação interpessoal. Apresenta diversas variantes segundo o tipo de neurose. Os tipos mais freqüentes são a neurose obsessiva, depressiva, maníaca, etc., podendo apresentar-se em combinação.
5 Psicose: Grupo de doenças psiquiátricas caracterizadas pela incapacidade de avaliar corretamente a realidade. A pessoa psicótica reestrutura sua concepção de realidade em torno de uma idéia delirante, sem ter consciência de sua doença.
6 Dopamina: É um mediador químico presente nas glândulas suprarrenais, indispensável para a atividade normal do cérebro.
7 Alergia: Reação inflamatória anormal, perante substâncias (alérgenos) que habitualmente não deveriam produzi-la. Entre estas substâncias encontram-se poeiras ambientais, medicamentos, alimentos etc.
8 Choque anafilático: Reação alérgica grave, caracterizada pela diminuição da pressão arterial, taquicardia e distúrbios gerais da circulação, acompanhado ou não de edema de glote. Necessita de tratamento urgente. Pode surgir por exposição aos mais diversos alérgenos.
9 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
10 Eminentemente: De modo eminente; em alto grau; acima de tudo.
11 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
12 Cognitivo: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
13 Unhas: São anexos cutâneos formados por células corneificadas (queratina) que formam lâminas de consistência endurecida. Esta consistência dura, confere proteção à extremidade dos dedos das mãos e dos pés. As unhas têm também função estética. Apresentam crescimento contínuo e recebem estímulos hormonais e nutricionais diversos.
Gostou do artigo? Compartilhe!

Pergunte diretamente a um especialista

Sua pergunta será enviada aos especialistas do CatalogoMed, veja as dúvidas já respondidas.