Histeria conversiva: quando a dor psíquica se torna dor física
O que é histeria?
A histeria é uma forma de neurose1 caracterizada por excessos emocionais e certa teatralidade de suas diversas manifestações.
São reconhecidos dois diferentes tipos do distúrbio: (1) transtornos dissociativos e (2) transtornos somatiformes. Transtornos dissociativos são distúrbios psicológicos que envolvem uma dissociação ou interrupção da consciência, incluindo identidade e memória com fuga dissociativa, transtorno dissociativo de identidade e amnésia2 dissociativa. O transtorno somatiforme, por sua vez, é uma classe de distúrbio psicológico que se manifesta por sintomas3 somáticos que não têm uma causa física, embora imitem doenças ou ferimentos reais. Esses distúrbios incluem, entre outros, a histeria de conversão.
Leia sobre "Histeria", "Somatização4" e "Neurose1".
O que é histeria de conversão?
Histeria de conversão é a situação em que um conflito psíquico se converte simbolicamente em sintomas3 corporais, sejam eles de maior intensidade e rapidamente transitórios ou mais duradouros. Esses sintomas3 costumam ocorrer a partir de algum gatilho psicológico ou em resposta a situações estressantes.
Quais são as causas da histeria de conversão?
A teoria psicanalítica entende que o transtorno de conversão é devido à repressão de conflitos psíquicos inconscientes que se convertem em sintomas3 físicos. Contudo, alguns achados organicistas sugerem também uma base somática para explicar a histeria de conversão. Assim, a neuroimagem de pacientes com distúrbios de conversão indica hipofunção do hemisfério dominante e hiperatividade do lado não dominante.
A ressonância magnética5 funcional revela que o córtex orbitofrontal e o giro cíngulo6 anterior são ativos na mediação de um efeito inibitório no movimento e sensação em pacientes com queixas sensoriais e motoras psicogênicas. Testes neuropsicológicos mostram evidências de que a atenção e memória de curto prazo estão prejudicadas na histeria de conversão.
A teoria da aprendizagem, por sua vez, acredita que os sintomas3 se desenvolvem a partir do condicionamento. Tais sintomas3 também podem ser vistos como uma forma de comunicação física de uma ideia ou sentimento emocionalmente carregado, quando alguém, por qualquer motivo pessoal, é incapaz de verbalizar o conflito. Outros achados neuroanatômicos foram observados em pacientes com transtorno de conversão.
Qual é o mecanismo da histeria de conversão?
Embora os sintomas3 de conversão pareçam um distúrbio físico, nada há de físico que os justifique, porque eles resultam de uma fonte psicológica. De acordo com o modelo psicodinâmico, inaugurado por Freud, os sintomas3 são uma consequência de um conflito emocional, com a repressão dele no inconsciente gerando ansiedade que posteriormente se converte em sintomas3.
Esse tipo de relação mente-corpo foi e continua sendo chamado de conversão. Com isso, o paciente tem ganhos primário e secundário. O ganho primário permite que o paciente expresse o conflito que foi suprimido inconscientemente, diminuindo assim a ansiedade; com o ganho secundário, os sintomas3 permitem que o paciente obtenha benefícios de várias naturezas, por exemplo, evitando situações desagradáveis ou angariando apoio de amigos, familiares e do sistema médico. Contudo, teorias socioculturais e comportamentais procuram explicar os sintomas3 de conversão em outras bases, mais objetivas.
A ideia de que o distúrbio de conversão não tem uma base orgânica recebe também alguma contestação. Muitos pacientes diagnosticados com histeria de conversão mais tarde acabam sendo diagnosticados com doença neurológica pré-existente. De fato, distúrbios de conversão frequentemente são observados em pacientes com história pregressa de lesão7 do sistema nervoso central8.
A ocorrência simultânea de doença cerebral orgânica com sintomas3 de conversão também é observada, principalmente na observação de altas taxas de síndromes convulsivas orgânicas associadas a crises assemelhadas, não-epilépticas, psicogênicas. Estudos familiares também mostraram que os sintomas3 de conversão em parentes do primeiro grau são até 14 vezes maiores do que na população geral.
Quais são as principais características da histeria de conversão?
Os sintomas3 físicos da histeria de conversão não permitem encontrar nenhuma razão somática para eles. Normalmente, os sintomas3 físicos da síndrome9 afetam os sentidos ou os movimentos e podem ser agudos, sob a forma de crises emocionais, com teatralidade e/ou desmaios, ou mais duradouros, como transtornos do equilíbrio e incoordenação motora, cegueira, paralisia10 parcial ou total, incapacidade de falar, surdez, perda da voz ou da visão11, dormência12, dificuldade para engolir, incontinência13, problemas de equilíbrio, convulsões, tremores, dificuldade para andar, sensação de nódulo14 na garganta15 e “convulsões” psicogênicas, entre outros.
Os sintomas3 ou déficits, embora “fabricados” (involuntariamente) pelo próprio paciente, causam sofrimentos e prejuízos significativos nas áreas sociais, ocupacionais ou outras.
Saiba mais sobre "Ansiedade", "Ganho secundário" e "Convulsões".
Como o médico diagnostica a histeria de conversão?
O diagnóstico16 de um sintoma17 como pertencente à histeria de conversão deve ser feito clinicamente, levando-se em conta a história médica do paciente e a diferenciação dele com sintomas3 de causa orgânica que ele imita.
Os sintomas3 da histeria de conversão têm algumas características definidoras:
- Os sintomas3 surgem à raiz de um conflito psicológico, seja de forma aguda, em que o paciente se sinta humilhado, desprezado ou abandonado, seja de forma mais duradoura, como consequência de um conflito psicológico duradouro.
- Incidem sobre funções motoras ou sensitivas voluntárias.
- Referem-se exclusivamente a uma única função ou estrutura orgânica.
- Não podem ser explicados por qualquer outro motivo físico ou mental.
- Obedecem à anatomia e fisiologia18 conforme são leigamente entendidas e não como condições médicas ou neurológicas cientificamente reconhecidas, por exemplo, a noção de metâmeros19 é desconhecida do leigo e, portanto, não é seguida na concepção20 dos sintomas3 conversivos.
- Guardam sempre algo de bizarro e incomum, quando comparados aos sintomas3 verdadeiramente físicos.
- Os pacientes se apresentam incrivelmente calmos ante os sintomas3, mesmo que de aparente gravidade (“La belle indifférence”, dos psicopatólogos).
Como tratar a histeria de conversão?
Ao acreditar-se que os conflitos inconscientes têm um papel importante nos distúrbios de conversão, deve-se admitir que os pacientes podem conseguir a resolução do conflito uma vez que estejam conscientes dessa conexão, o que se consegue por meio da terapia psicanalítica. Normalmente, muitos pacientes que sofrem de um distúrbio de conversão são incapazes de entender esse conflito interno.
A internação hospitalar pode ser considerada em alguns casos, nos quais também podem ser feitos, concomitantemente, uma investigação paralela de fatores físicos que devem ser excluídos.
Ao comunicar o diagnóstico16 ao paciente, o médico deve observar alguns cuidados:
- Não incentivar o ganho secundário que o paciente está buscando.
- Evitar intervenções diagnósticas e terapêuticas invasivas.
- Evitar dar ao paciente a impressão de que não há nada de errado com ele.
- Não informar apressadamente ao paciente o diagnóstico16, num primeiro encontro.
- Garantir ao paciente que os sintomas3 são muito reais, apesar da falta de um diagnóstico16 orgânico.
- Fornecer exemplos comuns de emoções que produzem sintomas3 (por exemplo, estômago21 enjoado quando se fala na frente de um grande público, coração22 acelerado quando alguém muito querido solicita um encontro, etc.)
- Fornecer exemplos de como o subconsciente influencia o comportamento (por exemplo, roer as unhas23, andar de um lado para o outro, balançar as pernas, etc.)
- Fornecer a garantia de que nenhuma evidência de um distúrbio neurológico subjacente está presente.
- Fornecer reforço positivo para que os sintomas3 possam melhorar espontaneamente.
- Garantir aos pacientes que os sintomas3 são involuntários e ninguém acredita que eles estejam fingindo.
Nenhuma terapia farmacológica específica está disponível para o transtorno de conversão; entretanto, medicamentos para transtornos de humor e ansiedade que geralmente estão associados a ele devem ser considerados. A psicoterapia é frequentemente útil para fornecer aos pacientes uma saída sintomática24 do ego, já que eles estão recebendo um tratamento benigno ao qual podem responder e melhorar.
Veja também sobre "A estrutura da personalidade", "Psicoterapias" e "Psiquiatra, psicólogo ou psicanalista".
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.