Leishmaniose urbana?
O fato
Em 06 de setembro de 2022, a Secretaria de Vigilância Sanitária da Prefeitura de Sorocaba – SP registrou o primeiro caso de leishmaniose visceral a ocorrer na cidade. Tratava-se de uma mulher de 54 anos, residente no município, cujas manifestações clínicas iniciais foram febre1, fraqueza, edema2, emagrecimento, palidez e esplenomegalia3 (aumento do volume do baço4).
O caso preocupou as autoridades sanitárias porque o número de cães contaminados no município e em cidades vizinhas é significativamente elevado, gerando o medo de que a doença, comumente associada a cachorros, se torne muito incidente5 entre humanos e se espalhe pela cidade e por outros municípios do estado. Outro medo é que a leishmaniose, que normalmente é uma doença própria de regiões próximas de matas, se torne uma doença urbana.
Não à toa, a região norte conta com 34,9% dos casos totais no país, com uma média de incidência6 cinco vezes maior que a média nacional, sendo endêmica no estado do Amazonas.
O que é a leishmaniose humana?
A leishmaniose é uma doença parasitária causada por um protozoário7 do gênero leishmania. Existem duas formas da doença que afetam as pessoas: a (1) leishmaniose tegumentar ou úlcera8 de Bauru, que afeta a pele9, e a (2) leishmaniose visceral ou calazar, que afeta vísceras internas. A forma cutânea10 causa feridas na pele9 e a forma visceral afeta importantes órgãos internos, como fígado11, medula óssea12 e baço4.
A doença é causada por parasitas do gênero leishmania e é transmitida pela picada de mosquitos fêmeas do gênero Phlebotomus, popularmente conhecido como mosquito palha (muito parecido com o pernilongo), que tenha picado previamente uma pessoa ou animal contaminado (canídeos como cão doméstico, raposa, roedores, etc.). O cão contaminado não transmite diretamente a doença, que depende portanto do mosquito vetor.
Ao contrário do que acontece com o Aedes aegypti, o mosquito-palha não depende da água parada para depositar seus ovos, colocando-os em matéria orgânica. Daí que casos registrados em São Paulo indicam não só a presença de cães contaminados, como a presença circulante do mosquito palha.
O mosquito palha utiliza locais úmidos e com sombra para se reproduzir, ou matéria orgânica, como folhas e frutos deteriorados. Ele também faz os seus criadouros em fezes de animais encontradas nos currais, chiqueiros e tocas.
Leia sobre "Leishmaniose cutânea10 e leishmaniose visceral", "Ínguas ou linfadenopatias" e "Esplenomegalia3 ou aumento do baço4".
O que é a leishmaniose canina?
A leishmaniose canina é uma zoonose13 que pode ser transmitida do cão (e de outros animais) para o homem e vice-versa, por meio do mosquito vetor. Trata-se de uma doença grave que pode levar ao óbito14 tanto os cães quanto os humanos. Ela ataca, entre outros órgãos, o sistema imunológico15 do animal. No cão hospedeiro, o parasita16, a Leishmania, começa a atacar as células fagocitárias17 responsáveis por proteger o organismo de corpos estranhos, atingindo o fígado11, baço4, medula óssea12 e outras vísceras.
Embora em humanos a forma cutânea10 seja a mais comum, em cães, em 99,9% das vezes, trata-se de leishmaniose visceral, porque a cutânea10 não tem o cachorro como seu principal alvo. A visceral, sim.
No cão, o tempo de incubação18 da doença é muito longo (3 a 18 meses), o que torna possível que o cachorro, apesar de estar infectado, não manifeste ainda nenhum sintoma19. Quando a doença já se encontra numa fase sintomática20, os sintomas21 mais comuns da leishmaniose canina são:
- lesões22;
- descamação23 e coloração branco prateada na pele9;
- infecção24 nas patas;
- pele9 espessada por um excesso de produção de queratina;
- unhas25 espessadas e em formato de garra;
- machucados que não saram;
- problemas oculares;
- e nódulos e caroços devidos ao aumento do volume dos gânglios linfáticos26.
Outros sintomas21 dependerão de quais vísceras tenham sido atingidas.
Até a algum tempo atrás não existia um tratamento específico para pets e era comum que cães com o diagnóstico27 de Leishmaniose fossem sacrificados, a fim de evitar surtos da doença entre seres humanos. Até havia remédios para a doença em humanos, mas uma determinação de 1953 proibia o uso desses medicamentos em cães, com o temor de que pudessem desenvolver parasitas mais resistentes.
A partir de 2018, graças a um medicamento de uso exclusivo nos pets, a Leishmaniose deixou de ser uma doença sem cura. Essa medicação não elimina completamente a doença, mas impede a sua progressão e faz com que o cachorro deixe de ser um transmissor.
Hoje, a melhor maneira de prevenir que o cão contraia a leishmaniose é a vacina28, que pode ser administrada a partir dos quatro meses de vida do animal. No entanto, os donos de cães também podem colaborar com a contenção da doença, adotando algumas medidas preventivas, tais como:
- Eliminar possíveis criadouros do mosquito palha, como retirar matéria orgânica do quintal e não deixar lixo acumulado.
- Limpar ambientes que tenham fezes de animais.
- Usar no cachorro uma coleira repelente dos mosquitos.
- Implantar telas muito finas nas janelas, porque o mosquito é muito pequeno e consegue atravessar telas com malhas maiores.
- Evitar passeios noturnos com os animais, porque ao anoitecer o mosquito apresenta maior atividade.
Entre cães, a doença está em expansão no estado de São Paulo. Ela vem aumentando ano a ano em Sorocaba e no município vizinho de Votorantim, levando as prefeituras das duas cidades a desenvolverem trabalhos para definir estratégias de combate ao mosquito transmissor. Os cães afetados, se não forem tratados a tempo, em geral precisam ser sacrificados.
Veja também sobre "Doença de Chagas29", "Doença de Lyme", "Parasitoses" e "Raiva30".
Referências:
As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Prefeitura de Sorocaba, da TV Sorocaba e da Fundação Oswaldo Cruz.
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.