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A questão psicológica da mentira

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O que é a mentira?

A mentira é uma afirmação falsa que não corresponde aos fatos ou uma declaração enganosa feita com a intenção de enganar, iludir ou manipular outra pessoa ou conseguir algum benefício. Existe também uma mentira piedosa, dita com o objetivo de evitar sofrimentos à pessoa que a ouve. Mas, de um modo geral, a mentira corresponde a comunicar informações sabidas como não reais, com o propósito de induzir as pessoas a acreditarem em algo que não é verdadeiro.

A mentira pode assumir diferentes formas e graus de gravidade, desde pequenas distorções da verdade até falsidades completas; pode ser algo esporádico e eventual ou se tornar um hábito permanente. Em qualquer dos casos, deve ser considerada uma forma de desonestidade intelectual. Embora a mentira seja uma prática comum e até mesmo inevitável entre os seres humanos, ela é um comportamento negativo e antiético.

Há ainda outras formas de falsificação da realidade que, embora não sejam mentiras, no sentido estrito da palavra, pertencem ao mesmo espectro funcional que elas. Trata-se das meias verdades, em que a pessoa conta apenas uma parte da verdade; da omissão, quando alguém deixa de fornecer informações importantes ou relevantes, com o objetivo de enganar ou evitar as consequências da verdade; e do exagero, em que a pessoa amplifica certos detalhes de uma história para torná-la mais interessante. Já se disse que a meia verdade é a pior das mentiras, porque é a mais difícil de ser constatada.

Leia sobre "Mitomania", "Criança precisa de limites" e "Ansiedade infantil".

Por que mentir?

Quando alguém mente, está deliberadamente apresentando uma versão falsa da realidade, muitas vezes para obter algum benefício pessoal ou evitar punição ou outras consequências indesejáveis, por exemplo temer, quase sempre injustificadamente, dizer a verdade e perder afeto ou admiração das pessoas.

Algumas mentiras parecem ser inofensivas e são ditas com o objetivo de evitar magoar ou ofender alguém. Por exemplo, elogiar uma pessoa mesmo que não se ache realmente que ela mereça. Em alguns casos, a mentira tem um propósito claro de encobrir alguma situação embaraçosa ou desvantajosa para a pessoa que mente, tentando substituí-la por uma ficção aparentemente mais cômoda. Como tais mentiras não se coadunam com o restante dos acontecimentos, o indivíduo acaba caindo em contradições e incongruências. É, por exemplo, o caso de um criminoso que tenta construir uma história falsa (mentirosa) para substituir a verdadeira.

A mentira pode incidir também sobre coisas simples e se tornar um hábito quase que compulsivo, em que a pessoa mente quase que “sem querer”, como um estilo de vida. Quaisquer situações que possam parecer minimamente embaraçosas ou incômodas são logo acompanhadas por falsas explicações. Nesse caso, a pessoa substitui a narrativa verdadeira por outra que bem poderia ser verdadeira. É aquilo que, na voz popular, constitui uma “desculpa esfarrapada”. A pessoa mente mesmo quando a verdade não lhe traria nenhum prejuízo ou, quando muito, um ligeiro incômodo. É, por exemplo, aquela situação em que uma pessoa não querendo comparecer a um evento diz estar “passando mal”.

Algumas mentiras mais sutis acontecem quando uma pessoa altera ligeiramente o relato de uma situação, seja para torná-la mais agradável, seja para adaptá-la a outras mentiras anteriores.

No âmbito religioso, a mentira é considerada um pecado divino. Na doutrina cristã, por exemplo, a mentira é representada pela figura do diabo, considerado o "pai das mentiras", para os cristãos.

Há também uma mentira patológica, compulsiva (mitomania ou pseudologia fantástica), geralmente associada a ideias de grandeza. As pessoas com esse transtorno são propensas a contar mentiras compulsivamente e, sem um motivo aparente, inventam histórias sem fundamento. É, por exemplo, uma situação como a de uma pessoa no interior de Minas Gerais que dizia ser proprietária de grandes fazendas no Mato Grosso, acreditando que as pessoas do local jamais seriam capazes de descobrir o falso das suas afirmações.

Há ainda outra falsificação patológica da realidade à qual não se usa chamar mentira. Trata-se dos delírios psicóticos, logo reconhecidos como tais pela sua incongruência e evidente absurdo ou falta de plausibilidade. Um exemplo bastante claro dessa situação é de uma paciente esquizofrênica que, durante mais de 10 anos, se dizia grávida de Jesus Cristo.

Os efeitos negativos da mentira

Toda mentira acaba por ser descoberta, especialmente quando ela é frequente. O dito popular que “mentira tem perna curta” contém uma verdade incontestável. Mentir não consiste apenas dizer algo diferente do real, mas também de se expressar corporal e fisionomicamente de modo ineludível.

Envolve uma determinada postura, um modo especial de comportamento, uma tensão muscular específica, um jeito de olhar, etc. Coisas que podem ser notadas por quem observa e denunciam de modo claro a natureza do ato. Muitas vezes, a pessoa que recebe a mentira sabe, intuitivamente, reconhecê-la como não verdadeira, embora nem sempre expresse isso por uma questão de respeito de não constranger a pessoa que mente ou de “boa educação”.

Mentir envolve uma operação mental dupla: (1) por um lado, a pessoa tem que conviver com o impulso a fazer um relato verdadeiro, que faz uma pressão natural para ser expresso e (2), por outro lado, tem de inibi-lo e criar uma narrativa falsa para substituí-lo.

Tendo em vista que a mentira não é apenas uma questão psicológica, tentou-se criar (com sucesso apenas relativo, é verdade) diferentes meios objetivos de detecção de mentiras, como os polígrafos, usados durante depoimentos, que medem o nível de estresse fisiológico1 que uma pessoa sente enquanto dá declarações ou responde perguntas, ou ainda a observação de micro expressões faciais como um método de julgar a credibilidade do discurso.

Esses “detectores de mentira” são aparelhos que procuram medir as variações fisiológicas2 do organismo durante o discurso do sujeito. Embora não sejam capazes de garantir com absoluta segurança que o indivíduo esteja mentindo, fornecem importantes indícios nesse sentido.

Mais recentemente, neurocientistas descobriram que a mentira ativa estruturas do cérebro3 completamente diferentes durante exames de tomografia e ressonância magnética4, o que pode levar a um método mais preciso (embora pouco prático) de detecção de mentiras.

Percebida, a mentira tem consequências negativas, como perda de confiança, danos aos relacionamentos e problemas legais, dependendo do contexto em que é utilizada. Ninguém mais confia no mentiroso, nem quando ele jura dizer a verdade.

As mentiras patológicas não se fazem acompanhar dos mesmos correlatos fisiológicos que as outras, no entanto, se denunciam pela insistência em relatá-las e por inseri-las nos mais variados contextos da conversa. Por outro lado, uma mentira exige outra mentira que a apoie ou reforce, de tal modo que o mentiroso não comete uma única mentira, mas uma cadeia delas, fazendo com que o seu discurso seja, no todo, indigno de confiança.

Efeitos positivos de dizer a verdade

Dizer a verdade é fundamental para construir e manter relacionamentos confiáveis. Quando a pessoa é honesta, os outros confiam nela e se sentem seguros ao seu redor. E deve-se lembrar de que, ao longo do tempo, os outros invariavelmente percebem se uma pessoa é ou não sincera, apesar de todos os seus esforços para dissimular.

Ser honesto com os outros é uma forma de demonstrar integridade pessoal. A honestidade promove o autorrespeito e a autoestima e ajuda a viver uma vida mais autêntica e coerente. Dizer a verdade é essencial para resolver conflitos. Comunicar abertamente preocupações, pensamentos e sentimentos de maneira honesta abre espaço para um diálogo construtivo e para encontrar soluções que satisfaçam todas as partes envolvidas. A honestidade também evita o acúmulo de ressentimentos e mal-entendidos, permitindo que os relacionamentos cresçam e se fortaleçam.

A verdade tem também um papel reforçador em si mesma. Ao dizer a verdade, uma pessoa experimenta o prazer do seu ato, põe um ponto final no assunto e se sente estimulada a repeti-lo. Ao contrário, a mentira deixa um rastro de mal-estar, culpa e peso na consciência. Quando uma pessoa diz a verdade, não precisa se preocupar com a possibilidade de ser descoberta em uma mentira ou com a pressão de manter uma fachada.

A honestidade traz uma sensação de liberdade e alívio. Ser reconhecido como uma pessoa honesta e verdadeira é altamente valorizado em todas as áreas da vida, seja pessoal ou profissional, abrindo portas para oportunidades futuras, seja em relacionamentos, empregos ou negócios.

Embora dizer a verdade seja muito importante, também é essencial considerar a forma como a pessoa se expressa. A verdade deve ser acompanhada de empatia e respeito pelos outros, e não ser uma forma agressiva de comunicação; ela deve sempre ser comunicada de maneira construtiva e positiva.

Veja mais: "Os sentimentos humanos mais comuns", "Inteligência emocional", "Personalidade narcisista" e "Complexo de inferioridade".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Academia Brasileira de Letras e do livro “Critique of Religion and Philosophy”, de Walter A. Kaufmann, publicado pela Princeton University Press em 1979.

ABCMED, 2023. A questão psicológica da mentira. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/psicologia-e-psiquiatria/1461059/a-questao-psicologica-da-mentira.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Fisiológico: Relativo à fisiologia. A fisiologia é estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, especialmente dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios.
2 Fisiológicas: Relativo à fisiologia. A fisiologia é estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, especialmente dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios.
3 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
4 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
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