Diferenciação entre queixas orgânicas e psicogênicas
É possível diferenciar clinicamente as queixas orgânicas das queixas psicogênicas?
Frequentemente os médicos se deparam com a questão de precisarem fazer distinção se uma determinada queixa do paciente é de etiologia1 predominantemente orgânica ou psicológica. Às vezes, uma tal diferenciação assume grande importância clínica. Uma dor no peito2 em aperto tanto pode ser causada por uma ansiedade/angústia como por problemas numa artéria3 cardíaca.
Não há um método absoluto que marque uma nítida diferença entre os dois tipos de queixas e erros podem ser cometidos nos dois sentidos: uma queixa orgânica pode ser tomada erroneamente como psicológica e outra psicogênica4 pode ser tomada indevidamente como orgânica.
Além do mais, os dois tipos de queixas podem se combinar em diferentes proporções. No entanto, existem vários critérios que tomados em conjunto podem fornecer meios de fazer essa distinção com razoável segurança.
Saiba mais sobre "Transtorno de ansiedade generalizada" e "Neurose5 de angústia".
Quais são as consequências de não fazer distinção entre queixas orgânicas e psicogênicas?
Uma condição orgânica não reconhecida como tal e atribuída erroneamente a uma causa psicológica pode evoluir para um estágio mais grave de uma doença e mesmo, em alguns casos, causar a morte. Por outro lado, a suposição de uma causa orgânica para uma queixa que tenha raízes psicológicas conduz o paciente para o profissional errado, motiva gastos com exames e tratamentos que podem ser desnecessários e gera preocupações e apreensões que poderiam ser evitadas.
É muito comum o paciente com queixas psicogênicas ouvir do profissional da saúde6, na ausência de qualquer achado somático, a afirmação “você não tem nada”, a qual é recebida por ele com indisfarçável decepção. Na verdade, a afirmação é incorreta. Sentir algo onde tudo está fisicamente perfeito não é normal. O paciente realmente tem algo, embora esse algo não seja orgânico. O profissional que deve tratá-lo não é o médico clínico ou cirurgião, mas um psiquiatra ou um psicólogo.
Como fazer a distinção entre queixas orgânicas e psicogênicas?
Alguns critérios tomados em conjunto podem ajudar a distinguir com razoável segurança entre as duas condições e melhor orientar os tratamentos, sem que nunca se possa ter uma segurança absoluta porque, além de tudo, há diferentes possibilidades de combinações entre as duas situações. Acresce ainda que, como foi dito, uma queixa orgânica pode ser matizada por aspectos psicológicos. Tudo deve começar com uma boa história clínica, feita de maneira minuciosa e sem pressa, na qual se verificará:
- Para as queixas psicogênicas não há achados físicos anormais subjacentes ou eles não guardam proporção com a intensidade das queixas. Os exames laboratoriais e os outros exames complementares estão dentro do normal.
- As queixas orgânicas obedecem estritamente à anatomia e à fisiologia7 orgânicas. As queixas psicossomáticas, por seu turno, seguem uma antomia e fisiologia7 populares imaginárias. Essa antomia e fisiologia7 desconhecem, por exemplo, a distribuição metamérica nos nervos. Por outro lado, os sintomas8 psicogênicos seguem a lei do tudo ou nada e não conhecem as gradações que ocorrem nos sintomas8 de natureza física.
- As queixas orgânicas são mais bem definidas quanto ao tempo e localização. Geralmente o paciente sabe relatar precisamente quando começaram e onde exatamente se localizam. Tipicamente, de modo ideal, o paciente pode dizer, por exemplo: “é uma dor aqui nas costas9 (indicando com a mão10) que começou quando me agachei para pegar um peso”.
- As queixas orgânicas costumam ser relatadas com maior objetividade ou minimizadas pelos pacientes, enquanto as outras são recheadas de referências pouco precisas e exibidas mais ostensivamente, o que empresta a elas certo ar de dramaticidade.
- Os pacientes usualmente apresentam maior adesividade às queixas psicogênicas que às orgânicas e tendem a ser mais repetitivos e insistentes sobre elas que sobre as outras, chegando a alardeá-las.
- As queixas orgânicas usualmente variam com acontecimentos fisiológicos, como exercícios físicos, posições, alimentação, respiração, etc, enquanto as psicogênicas alteram-se mais comumente com variações de vivências emocionais.
- As queixas orgânicas na maioria das vezes aparecem de maneira aleatória e a qualquer momento, enquanto as psicogênicas geralmente surgem quando de acontecimentos vivenciais infelizes.
- As reações às queixas orgânicas costumam ser mais comedidas e adequadas, enquanto aquelas devidas a causas psicogênicas tendem a ser mais floreadas e levam as pessoas a imaginar consequências mais sérias que as reais. Os pacientes com queixas orgânicas experimentam uma ansiedade normal; os psicogênicos exibem uma ansiedade exagerada. As queixas de fundo psicogênico geralmente são adjetivadas com expressões superlativas: “uma dor de morrer”, “uma queimação terrível”, “um sangramento que parecia não ter mais fim”, etc.
- Nos pacientes com queixas orgânicas pode haver história prévia e familiar de enfermidades correlatas ou o relato de eventos que as favoreça, como viagens a lugares endêmicos, exposição a agentes patogênicos, certas atividades profissionais, etc. Naqueles com queixas psicogênicas geralmente há história pessoal ou familiar de outros sintomas8 neuróticos: fobias11, TOC, depressões, etc.
- As queixas orgânicas ou se iniciam agudamente ou têm um curso de progressivo agravamento até começarem a se dissipar, quando for o caso. O curso das queixas psicogênicas usualmente é mais oscilante.
- Por fim, os médicos costumam concluir um diagnóstico12 pela causação psicológica por exclusão, ou seja, apenas depois de constatar serem negativos todos os exames pertinentes a cada caso.
Conquanto seja justificável todo cuidado em estabelecer um diagnóstico12 seguro, a observância dos critérios aqui ventilados pode ajudar a alcançá-lo.
Leia também sobre "Depressão", "Transtorno obsessivo compulsivo ou TOC" e "Fobias11".
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.