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As relações entre intestino e cérebro

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Como são as relações entre o intestino e o cérebro1?

Ao contrário do que se pensa, o intestino não é apenas um longo tubo por onde a comida passa, nutrientes são absorvidos e o que não é aproveitado vira fezes. Esta é uma visão2 antiquada. Ele é, na verdade, um órgão surpreendente, a começar pelo seu tamanho descomunal: se o abríssemos e esticássemos seus dois trechos, o intestino delgado3 e o intestino grosso4, ele ocuparia uma área de 250 metros quadrados, o equivalente a uma quadra de tênis e, de certo modo, toda essa superfície é capaz de realizar absorção.

O intestino tem cerca de 500 milhões de neurônios5 e aloja alguns trilhões de bactérias, boa parte delas envolvida em processos cruciais para o organismo. Ele tem mais neurônios5 que a espinha dorsal e age independentemente do sistema nervoso central6. Esse “segundo cérebro” e sua complexa comunidade microbiana influenciam no nosso bem-estar geral e estão sendo investigados quanto à participação nas doenças mentais e no sistema imunológico7. Os cientistas convencionaram chamá-los de Sistema Nervoso8 Entérico.

Além disso, as bactérias da flora intestinal produzem de 80 a 90% da serotonina, um importante neurotransmissor envolvido em muitas doenças mentais. Sendo assim, o intestino pode desencadear grandes mudanças emocionais ou disfunções intestinais. Por décadas pensou-se que a ansiedade e a depressão contribuíam para os problemas intestinais, mas hoje se admite que bem pode ser o inverso.

Pesquisadores têm encontrado evidências de que a irritação no sistema gastrointestinal pode enviar sinais9 ao sistema nervoso central6 que desencadeiam mudanças de humor. As pesquisas sugerem que a atividade do sistema digestivo10 pode mesmo afetar até a cognição11. Outra área de interesse consiste em descobrir como os sinais9 do sistema digestivo10 afetam o metabolismo12, aumentando ou reduzindo o risco de problemas de saúde13, como o diabetes14 tipo 2, por exemplo.

Leia sobre "Microbioma15 intestinal humano", "Probióticos16 e Prebióticos", "Disbiose intestinal17", "Intolerância à lactose18" e "Intolerância ao glúten19".

Como se dão as comunicações entre o intestino e o cérebro1?

Os neurônios5 são cerca de 100 bilhões de células20 localizadas no sistema nervoso central6 que “dizem” ao corpo como se comportar. O intestino contém 500 milhões de neurônios5, que estão conectados ao cérebro1 principalmente por meio do nervo vago. Esse nervo envia sinais9 em ambas as direções, aferente e eferente, e é importante no eixo intestino-cérebro1.

Mas o intestino e o cérebro1 também estão conectados por meio de substâncias químicas chamadas neurotransmissores, que controlam sentimentos e emoções. Muitos desses neurotransmissores também são produzidos por células20 intestinais e os trilhões de micróbios que vivem lá. A serotonina é um deles. Ela contribui para a sensação de felicidade e também ajuda a controlar o relógio biológico. Além dela, os microrganismos intestinais também produzem um neurotransmissor chamado ácido gama-aminobutírico (GABA21), que ajuda a controlar os sentimentos de medo e ansiedade. Estudos em ratos de laboratório demonstraram que certos probióticos16 podem aumentar a produção de GABA21 e reduzir a ansiedade e o comportamento semelhante à depressão.

Os trilhões de microrganismos que vivem no intestino também produzem outras substâncias químicas que afetam o funcionamento do cérebro1 como, por exemplo, ácidos graxos de cadeia curta como butirato, propionato e acetato. Eles fazem isso digerindo fibras, o que afeta a função cerebral de várias maneiras, inclusive reduzindo o apetite. A produção de propionato pode reduzir a ingestão de alimentos e reduzir a atividade do cérebro1 relacionada à recompensa de alimentos ricos em energia. O butirato e os microrganismos que o produzem também são importantes para formar a barreira entre o cérebro1 e o sangue22, chamada de barreira hematoencefálica. As bactérias intestinais também metabolizam ácidos biliares e aminoácidos para produzir outros produtos químicos que afetam o cérebro1. Os ácidos biliares também podem afetar o cérebro1 diretamente. O estresse e os distúrbios sociais em ratos reduzem a produção de ácidos biliares pelas bactérias intestinais e alteram os genes envolvidos na sua produção.

O intestino-cérebro1 também está conectado ao sistema imunológico7. Os microrganismos intestinais têm um papel importante no desempenho do sistema imunológico7 e na inflamação23. Eles controlam o que é passado para o corpo e aproveitado por ele e o que é excretado. Se o sistema imunológico7 ficar ativado por muito tempo, pode levar à inflamação23, que está associada a uma série de distúrbios cerebrais, como depressão e doença de Alzheimer24. O lipopolissacarídeo é uma toxina25 inflamatória produzida por certas bactérias, que pode passar para o sangue22 quando a barreira intestinal vaza e assim causar inflamação23. Essa inflamação23 foi associada a vários distúrbios cerebrais, incluindo depressão severa, demência26 e esquizofrenia27.

Quais são as repercussões disso no tratamento?

Hoje em dia, os gastroenterologistas podem prescrever certos antidepressivos para distúrbios gastrointestinais não porque pensem que o problema está todo na cabeça28 do paciente, mas porque esses medicamentos acalmam os sintomas29 em alguns casos, agindo nas células nervosas30 do intestino.

Também as psicoterapias que frequentemente são indicadas para pacientes31 com problemas gastrointestinais funcionais devem seu efeito ao fato de que os dois sistemas nervosos “conversam” entre si. Esses dois órgãos estão conectados física e bioquimicamente de vários modos diferentes, como demonstramos, e se influenciam reciprocamente.

Veja também sobre "Benefícios dos probióticos16 para o seu organismo", "Síndrome32 do intestino irritável" e "Bactérias do bem".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Johns Hopkins Medicine e do NIH – National Instituted of Health (USA).

ABCMED, 2021. As relações entre intestino e cérebro. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/vida-saudavel/1393155/as-relacoes-entre-intestino-e-cerebro.htm>. Acesso em: 19 abr. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
2 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
3 Intestino delgado: O intestino delgado é constituído por três partes: duodeno, jejuno e íleo. A partir do intestino delgado, o bolo alimentar é transformado em um líquido pastoso chamado quimo. Com os movimentos desta porção do intestino e com a ação dos sucos pancreático e intestinal, o quimo é transformado em quilo, que é o produto final da digestão. Depois do alimento estar transformado em quilo, os produtos úteis para o nosso organismo são absorvidos pelas vilosidades intestinais, passando para os vasos sanguíneos.
4 Intestino grosso: O intestino grosso é dividido em 4 partes principais: ceco (cecum), cólon (ascendente, transverso, descendente e sigmoide), reto e ânus. Ele tem um papel importante na absorção da água (o que determina a consistência do bolo fecal), de alguns nutrientes e certas vitaminas. Mede cerca de 1,5 m de comprimento.
5 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
6 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
7 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
8 Sistema nervoso: O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal e a porção periférica está constituída pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas.
9 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
10 Sistema digestivo: O sistema digestivo ou digestório realiza a digestão, processo que transforma os alimentos em substâncias passíveis de serem absorvidas pelo organismo. Os materiais não absorvidos são eliminados por este sistema. Ele é composto pelo tubo digestivo e por glândulas anexas.
11 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
12 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
13 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
14 Diabetes: Nome que designa um grupo de doenças caracterizadas por diurese excessiva. A mais frequente é o Diabetes mellitus, ainda que existam outras variantes (Diabetes insipidus) de doença nas quais o transtorno primário é a incapacidade dos rins de concentrar a urina.
15 Microbioma: Comunidade ecológica de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos que compartilham nosso espaço corporal. Microbioma humano é o conjunto de microrganismos que reside no corpo do Homo sapiens, mantendo uma relação simbiótica com o hospedeiro. O conceito vai além do termo microbiota, incluindo também a relação entre as células microbianas e as células e sistemas humanos, por meio de seus genomas, transcriptomas, proteomas e metabolomas.
16 Probióticos: Suplemento alimentar, rico em micro-organismos vivos, que afeta de forma benéfica seu consumidor, através da melhoria do balanço microbiano intestinal.
17 Disbiose intestinal: Definida como o desequilíbrio da flora intestinal, entre os microrganismos benéficos e patogênicos, que resulta em uma situação desfavorável à saúde do indivíduo.
18 Lactose: Tipo de glicídio que possui ligação glicosídica. É o açúcar encontrado no leite e seus derivados. A lactose é formada por dois carboidratos menores, chamados monossacarídeos, a glicose e a galactose, sendo, portanto, um dissacarídeo.
19 Glúten: Substância viscosa, extraída de cereais, depois de eliminado o amido. É uma proteína composta pela mistura das proteínas gliadina e glutenina.
20 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
21 GABA: GABA ou Ácido gama-aminobutírico é o neurotransmissor inibitório mais comum no sistema nervoso central.
22 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
23 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
24 Doença de Alzheimer: É uma doença progressiva, de causa e tratamentos ainda desconhecidos que acomete preferencialmente as pessoas idosas. É uma forma de demência. No início há pequenos esquecimentos, vistos pelos familiares como parte do processo normal de envelhecimento, que se vão agravando gradualmente. Os pacientes tornam-se confusos e por vezes agressivos, passando a apresentar alterações da personalidade, com distúrbios de conduta e acabam por não reconhecer os próprios familiares e até a si mesmos quando colocados frente a um espelho. Tornam-se cada vez mais dependentes de terceiros, iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação inviabiliza-se e passam a necessitar de cuidados e supervisão integral, até mesmo para as atividades elementares como alimentação, higiene, vestuário, etc..
25 Toxina: Substância tóxica, especialmente uma proteína, produzida durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capaz de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
26 Demência: Deterioração irreversível e crônica das funções intelectuais de uma pessoa.
27 Esquizofrenia: Doença mental do grupo das Psicoses, caracterizada por alterações emocionais, de conduta e intelectuais, caracterizadas por uma relação pobre com o meio social, desorganização do pensamento, alucinações auditivas, etc.
28 Cabeça:
29 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
30 Células Nervosas: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO.
31 Para pacientes: Você pode utilizar este texto livremente com seus pacientes, inclusive alterando-o, de acordo com a sua prática e experiência. Conheça todos os materiais Para Pacientes disponíveis para auxiliar, educar e esclarecer seus pacientes, colaborando para a melhoria da relação médico-paciente, reunidos no canal Para Pacientes . As informações contidas neste texto são baseadas em uma compilação feita pela equipe médica da Centralx. Você deve checar e confirmar as informações e divulgá-las para seus pacientes de acordo com seus conhecimentos médicos.
32 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
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