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Instintos e “Imprinting”

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O que são instintos?

Para bem compreender o que seja “imprinting”, temos que partir da noção inicial de instintos. Os instintos são impulsos fixos e imutáveis, comuns a todos os indivíduos de uma mesma espécie, que levam sempre a comportamentos padronizados destinados à conservação do ser individual e/ou da espécie. Contudo, uma tal definição se aplica melhor aos animais que ao homem porque eles, mesmo tendo comportamentos complexos como vida em grupos, acasalamento, busca de alimento, migração, construção de ninhos, luta e fuga, etc., os realizam de modo automático, sem nenhuma interferência de fatores inteligentes.

Mas, mesmo nos instintos dos animais irracionais, o etólogo (pessoa dedicada ao estudo do comportamento animal) austríaco Konrad Lorenz propôs uma diferenciação entre a "ação final", aquela a que o instinto visa (alimentar-se, por exemplo), e o que ele chamou de "comportamento de apetência", ou seja, a busca de situações que permitam ao ato instintivo atingir seus objetivos.

O instinto em si não pode ser modificado por influência externa, mas o comportamento de apetência pode ser influenciado por condições ambientais e, no ser humano, pela influência de processos cognitivos1.

Os instintos na psicologia

Os instintos são também motivo de estudos da psicologia da motivação. Segundo Willian McDougall, o autor que mais desenvolveu o estudo dos instintos na psicologia, no ser humano restaria apenas uma expressão rudimentar do instinto animal original. Uma vez que no homem o instinto se afasta muito da definição da etologia, ele utilizava muitas vezes o termo propensão em seu lugar.

No entanto, apesar do modelo proposto por ele ter sido confirmado pela pesquisa empírica, levou apenas a uma lista de propensões, incapaz de apresentar uma explicação mais detalhada do comportamento humano. Um exemplo singelo pode demonstrar bem essa diferença: um cachorro com fome não está fazendo outra coisa a não ser procurar alimento e come a primeira coisa comestível que encontrar. Um homem com fome pode adiar um pouco sua satisfação e mesmo com fome pode continuar trabalhando, por exemplo, pode escolher o tipo de alimento que deseja, o local para se alimentar, o sabor e a aparência do alimento e até uma eventual companhia.

Sigmund Freud foi um dos grandes estudiosos dos instintos humanos. Nas primeiras traduções da obra de Freud para o inglês, o termo alemão Trieb foi traduzido por instinto. Contudo, o termo instinto não corresponde bem ao conceito reconhecido como Trieb, e foi depois substituído pelo termo mais apropriado “pulsão”. Para a psicologia, o principal ganho desses estudos foi o reconhecimento da existência de determinadas tendências de ação predefinidas que participam da regulação da ação humana, juntamente a outros elementos que determinam a sua plasticidade, como os processos cognitivos1.

Leia sobre "O desenvolvimento da personalidade", "A estrutura da personalidade" e "O que é psicoterapia".

O que é “imprinting”?

O “imprinting” é uma palavra da língua2 inglesa, que corresponde mais ou menos ao que se quer dizer em português com os termos impressão, marca, cunho, carimbo, sinal3, etc. Pode ser uma marca física feita por uma determinada pressão ou uma impressão psicológica feita através de um comportamento ou atitude.

A primeira impressão na vida de um animal ou de uma pessoa tem consequências duradouras na sua vida adulta posterior, mesmo sobre o comportamento instintivo. Lorentz demonstrou isso experimentalmente: criou dois grupos de patinhos, um chocado normalmente com a pata mãe, e outro idêntico, chocado em chocadeira. Ao nascerem, o único ser vivo com quem os patinhos desse último grupo tiveram contato foram eles próprios. Quando os dois grupos foram juntados, todos eles seguiram a pata, no que parecia ser um comportamento puramente instintivo. No entanto, quando submetidos a um perigo (por exemplo, um estrondo, um feixe de luz forte, etc.) o grupo novamente se dividia e os chocados pela pata corriam em direção a ela e os chocados em chocadeira corriam em direção ao objeto. Ou seja, a primeira experiência deles com um ser vivo havia deixado um “imprinting” (cunhado uma marca) mesmo num comportamento instintivo.

O “imprinting” no ser humano

No ser humano, o processo de “imprinting” (também conhecido como cunhagem ou estampagem) é um fenômeno em que os filhos reconhecem suas mães assim que nascem. Ele é fundamental para fortalecer o vínculo e o apego entre mãe e filho e é feito quando o recém-nascido olha fixamente nos olhos4 de sua mãe. É a primeira impressão do mundo externo que fica “carimbada” na mente dos bebês5. Essa descoberta rendeu o Prêmio Nobel de Medicina ao pesquisador Konrad Lorenz, em 1973.

Hoje em dia, nas maternidades muito movimentadas, os bebê são logo retirados para serem secados, estimulados, aspirados, pesados, medidos, etc., e só depois trazidos à mãe. Mas essa ordem pode e deve ser invertida. Primeiro o bebê olha para sua mãe, sente seu cheiro, ouve sua voz… Para facilitar isso, recentemente, o Ministério da Saúde6 recomendou que os bebês5 saudáveis só sejam submetidos a essas medidas e a outros procedimentos após a primeira hora de vida, que deve ser passada junto à sua mãe, seja qual for o tipo de parto.

Na década de 1940, John Bowlby, especialista inglês em psiquiatria infantil, construiu uma teoria do apego. A teoria dele combina aspectos da biologia moderna com elementos da psicologia e outras áreas do conhecimento. Ele também concluiu que o apego que a pessoa desenvolve com a mãe é profundamente influenciado pela interação precoce com ela e demais cuidadores primários. Coincidindo com Lorentz, embora vendo sobre outro prisma, também afirma que existe algo muito especial nas primeiras horas de vida logo após o nascimento.

Sabemos hoje que os primeiros laços de afeto do bebê ao chegar ao mundo exterior vinculam mães e filhos por toda a vida. É a essa “magia”, nessa troca de olhares, que Lorentz chamou de “imprinting”.

Veja também sobre "Big Five (Cinco Grandes) da Psicologia", "Psiquiatra, psicólogo ou psicanalista", "O que são fobias7" e "O que é neurose8".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas principalmente dos sites da Unicamp – Universidade de Campinas e da BVS – Biblioteca Virtual em Saúde.

ABCMED, 2021. Instintos e “Imprinting”. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/psicologia-e-psiquiatria/1402705/instintos-e-imprinting.htm>. Acesso em: 28 mar. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Cognitivos: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
2 Língua:
3 Sinal: 1. É uma alteração percebida ou medida por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida. 2. Som ou gesto que indica algo, indício. 3. Dinheiro que se dá para garantir um contrato.
4 Olhos:
5 Bebês: Lactentes. Inclui o período neonatal e se estende até 1 ano de idade (12 meses).
6 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
7 Fobias: Medo exagerado, falta de tolerância, aversão.
8 Neurose: Doença psiquiátrica na qual existe consciência da doença. Caracteriza-se por ansiedade, angústia e transtornos na relação interpessoal. Apresenta diversas variantes segundo o tipo de neurose. Os tipos mais freqüentes são a neurose obsessiva, depressiva, maníaca, etc., podendo apresentar-se em combinação.
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