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Sobre o sentimento de culpa

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O que é o sentimento de culpa?

A culpa é um sentimento peculiar e indefinível que cada pessoa sabe o que é pois já o experimentou em algum momento da vida. É uma experiência emocional que ocorre quando uma pessoa acredita ou percebe que comprometeu seus próprios padrões de conduta ou violou os padrões morais universais, e tem responsabilidade significativa por essa violação. Ela também ocorre quando uma pessoa sente que causou um sofrimento involuntário à outra. A culpa está intimamente relacionada ao conceito de remorso.

O sentimento de culpa ajuda a manter relacionamentos sociais benéficos, como o altruísmo, por exemplo. As pessoas que são mais propensas a experimentar sentimento de culpa baseado na empatia têm maior probabilidade de cooperar e de se comportar de maneira altruísta. Isso sugere que a culpa pode até ser benéfica entre os grupos humanos.

Os psicopatas não experimentam um verdadeiro sentimento de culpa ou remorso pelos danos que possam ter causado a outros. Em vez disso, eles racionalizam seus comportamentos e usualmente culpam alguém ou negam completamente haver culpa. Assim, são prejudiciais a si mesmos e aos outros. Um indivíduo com psicopatia1 nunca se sentirá culpado, porque fará o que for preciso para levar vantagens, sem reservas ou limites.

Leia sobre "Luto normal e patológico", "Síndrome2 do comer noturno", "Gagueira" e "Os desafios da maternidade moderna".

Quais são as causas do sentimento de culpa?

De um modo geral, sente-se culpa por algo que se fez. Mas a culpa é muito mais que isso. Também se sente culpa pelo que se pensou, pelo que se desejou fazer e até pelo que não se fez. Além disso, algumas teorias sustentam existir um sentimento ontogênico (imanentemente ligado ao ser) de culpa. Ainda não se fez nada, mas já se sente culpa. Ou seja, a culpa muitas vezes precede ao ato. Muitas vezes é o caso de que se faz algo porque se sente culpado, e não que se sente culpado porque se fez algo. Os teístas (pessoas que creem em um Deus), de um tipo ou de outro, acreditam que a origem da culpa vem da violação de princípios universais do certo e do errado.

Na visão3 freudiana tradicional, a culpa é subjacente aos comportamentos explícitos das pessoas, os quais são mecanismos de defesa que protegem as pessoas da culpa que sentiriam se soubessem o quão terríveis são seus desejos inconscientes. Especificamente, Freud vinculou o sentimento de culpa ao Complexo de Édipo, ocorrente em todas as pessoas. Em contraste com a visão3 psicodinâmica da culpa, a perspectiva cognitiva4 fornece à pessoa comum algumas pistas para fixar a tendência de se culpar. De acordo com a visão3 cognitiva4, se a pessoa mudar seus pensamentos, poderá mudar suas emoções.

Do ponto de vista da psiquiatria, o sentimento de culpa costuma ser associado às depressões. Em formas graves da depressão maior (a fase depressiva da antiga Psicose5 Maníaco Depressiva, hoje denominada Transtorno Bipolar do Humor) ela pode assumir aspectos delirantes.

Numa versão do Cristianismo, o mundo inteiro é culpado diante de Deus por um “pecado original”. Jesus Cristo teria tomado sobre si os pecados do mundo e morreu na cruz para pagar a dívida de todos os homens. Pessoas que creem nessa culpa geralmente se aplicam alguma forma de autoflagelação como uma maneira de se punirem pelo “pecado” cometido.

Quais são as principais características do sentimento de culpa?

A experiência da culpa pode incentivar as pessoas a aprenderem com seus erros. Assim, tanto a antecipação da culpa quanto a experiência da culpa podem ajudar a promover relacionamentos interpessoais harmoniosos. Experimentar a culpa após comportamentos que prejudicam os relacionamentos pode encorajar as pessoas a repará-los e evitar repeti-los no futuro. Antecipar a culpa relacionada a um comportamento futuro pode impedir que as pessoas se envolvam em comportamentos prejudiciais. Assim, a antecipação da culpa é especialmente benéfica porque pode impedir as pessoas de cometerem transgressões.

Muitas teorias tradicionais assumiram que a principal função dessa emoção é dirigir o comportamento. Ao considerar a possibilidade de comportamentos futuros que tenham causado culpa no passado, as pessoas podem experimentar respostas afetivas que desencorajam esse comportamento. Certamente, a experiência da culpa é importante, pois pode servir como referência para moldar comportamentos futuros. Esses fatos sustentam a visão3 de que uma das principais razões pelas quais a culpa pode ter evoluído seria para proteger os relacionamentos das pessoas. A culpa pode beneficiar os relacionamentos, incentivando as pessoas a alterar seu comportamento de maneira positiva.

As pessoas podem influenciar outras pessoas, induzindo nelas o sentimento de culpa. Em geral, elas usam essa indução como um meio de influenciar seus parceiros mais íntimos, mais que conhecidos ou estranhos. No entanto, usar a culpa como meio de influenciação tem suas desvantagens.

O fracasso em impedir impulsos egoístas também pode levar à culpa. As pessoas também podem sentir culpa associada à falha no autocontrole. Por sua vez, a culpa pode ajudar na autorregulação. Antecipar a culpa associada ao fracasso da autorregulação pode motivar as pessoas a se autorregularem e, assim, evitar o sentimento de culpa.

As pessoas podem também sentirem culpa sem de fato "terem culpa". Por exemplo, podem sentir culpa por sobreviverem a um evento que matou muitos ou permanecer num emprego em que muitos colegas foram demitidos.

Como lidar com o sentimento de culpa?

Todas as pessoas emocionalmente saudáveis precisam lidar com o sentimento de culpa, presente em todos, por um ou outro motivo. As pessoas podem tentar reduzir seu sentimento de culpa pedindo desculpas, recompensando suas vítimas, negando sua culpabilidade ou depositando a sua responsabilidade em outras pessoas, por exemplo. Os autores podem também considerar o ato cometido como um incidente6 isolado, pelo menos parcialmente justificado pelas circunstâncias, tidas como atenuantes. Dessa maneira, podem reduzir seus sentimentos de culpa. Mas há situações em que todas as opções levam inevitavelmente ao sentimento de culpa. Por exemplo, quando um soldado pode ter que escolher entre prejudicar os outros e desobedecer a uma autoridade.

Diferenças individuais na propensão à culpa podem afetar a forma como as pessoas sentem seus desempenhos. De um modo geral, as pessoas com alta propensão à culpa experimentam esse sentimento com mais frequência e intensidade do que as pessoas com baixa tendência à culpa. Portanto, quando essas primeiras são confrontadas com opções morais, é mais provável que elas escolham a opção menos indutora de culpa.

Em resumo, muitas estratégias podem ser usadas para lidar com o sentimento de culpa. Essas estratégias podem variar de pedir desculpas e oferecer recompensas a negar a culpa e culpar as vítimas. Ao enfrentar trocas morais, as pessoas podem tomar decisões com base em quanta culpa cada opção causaria e favorecer a opção menos indutora de culpa.

Veja também sobre "Complexo de Édipo", "Inveja", "Personalidade narcisista" e "Personalidade Borderline".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas dos sites da Emotion Researcher, da U.S. National Library of Medicine e do National Institutes of Health.

ABCMED, 2019. Sobre o sentimento de culpa. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/psicologia-e-psiquiatria/1353483/sobre-o-sentimento-de-culpa.htm>. Acesso em: 20 abr. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Psicopatia: 1. Distúrbio mental grave em que o paciente apresenta comportamentos antissociais e amorais sem demonstração de arrependimento ou remorso, incapacidade para amar e se relacionar com outras pessoas com laços afetivos profundos, egocentrismo extremo e incapacidade de aprender com a experiência. 2. Qualquer doença mental.
2 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
3 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
4 Cognitiva: 1. Relativa ao conhecimento, à cognição. 2. Relativa ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
5 Psicose: Grupo de doenças psiquiátricas caracterizadas pela incapacidade de avaliar corretamente a realidade. A pessoa psicótica reestrutura sua concepção de realidade em torno de uma idéia delirante, sem ter consciência de sua doença.
6 Incidente: 1. Que incide, que sobrevém ou que tem caráter secundário; incidental. 2. Acontecimento imprevisível que modifica o desenrolar normal de uma ação. 3. Dificuldade passageira que não modifica o desenrolar de uma operação, de uma linha de conduta.
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