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Luto normal e patológico

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O que é luto normal?

O luto é um conjunto de reações a uma perda significativa, geralmente pela morte de um ente querido. Este último adjetivo deve ser levado em grande conta, porquanto não há grande reação quando não há grande interesse pelo que foi perdido. Quanto maior o apego ao algo perdido (pessoa, animal, objeto, fase da vida, status social, aposentadoria, etc.), maior o sofrimento do luto. Esse sentimento só pode ser inteiramente compreendido por quem já o experimentou, mas a maneira mais aproximada de descrevê-lo é compará-lo a uma “tristeza profunda”.

Saiba mais sobre "O luto e as suas fases".

O luto tem diferentes formas de expressão em culturas distintas e expressão individualizada, na dependência da natureza subjetiva do vínculo rompido para cada pessoa.

Em alguns casos, a perda pode mesmo ser sentida como “alívio”. Importa muito as características da perda:

  • A intensidade da experiência pode ir desde uma dor imensa até apenas uma lembrança dolorida.
  • Se a morte do ente querido foi repentina e inesperada ou fruto de uma doença que evoluiu longamente durante muito tempo.
  • Se o morto foi uma criança ou um idoso de 95 anos.
  • Se a morte se deveu a uma catástrofe que vitimou um grande número de pessoas ou fruto de um evento individual.
  • Se a morte se deveu a algo inexorável ou a algo que poderia ter sido evitado;
  • Se a morte foi ou não decorrente de suicídio.
  • A reação à morte depende também da força ou fraqueza emocional da pessoa que vivencia o luto.
  • Se a morte inverteu a ordem natural das coisas (se o filho morreu antes que seus pais, por exemplo).
  • Depende das crenças culturais e religiosas sobre a morte, etc.
Leia sobre "Reações emocionais à morte do cônjuge", "Sentimentos de solidão" e "Isolamento social".

O que é a elaboração do luto normal?

Chama-se elaboração do luto ao trabalho psicológico mais ou menos involuntário que a pessoa tem de fazer consigo mesma para retornar seus sentimentos e atividades aos padrões anteriores à perda que motivou o luto. Desde os escritos da psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross, tornou-se costume reconhecer cinco fases mais ou menos constantes no trabalho normal de elaboração do luto. Embora essa maneira de pensar desconsidere as peculiaridades individuais de cada caso, serve como orientação geral. Elas são:

  1. Negação: o indivíduo se nega a aceitar a realidade do problema e tenta encontrar algum jeito de não entrar em contato com a realidade dele: “não pode ser verdade”, “não quero acreditar”, “não quero falar disso”, “parece que estou tendo um pesadelo”... etc.
  2. Raiva1: nessa fase o indivíduo se revolta com o mundo e com o destino, se sente injustiçado e não se conforma por estar passando por isso.
  3. Barganha: essa é a fase em que o indivíduo começa a “negociar” com a realidade, começando por si mesmo, dizendo que será uma pessoa melhor, que vai realizar os desejos que o morto deixou inconclusos, fazendo promessas a Deus, etc.
  4. Depressão: nessa fase a pessoa se retira para seu mundo interno, se isolando melancolicamente e se sentindo impotente diante da situação. Essa é a fase do “caiu a ficha”.
  5. Aceitação: é o estágio em que o indivíduo não tem desespero e consegue enxergar a realidade como ela realmente é, ficando pronto para enfrentar a perda ou a morte.

Essa sequência dos estágios de luto não é sempre obrigatória, mas é comum que as pessoas que passam por esse processo apresentem pelo menos dois desses estágios. E não necessariamente todas as pessoas conseguem atravessar todo esse processo. Há as que ficam estagnadas por mais tempo ou até definitivamente em uma dessas fases. O cumprimento desses papeis exige a vivência de sentimentos e pensamentos próprios a cada estágio. Não se deve, pois, incentivar as pessoas a saltar fases, estimulando-as a “esquecer”, pular etapas ou adotar outras atitudes de negação.

Enfim, elaborar o luto é um processo de transformação da relação com quem morreu; ela não está mais fisicamente presente, mas o enlutado continua tendo com ela uma relação imaginária, mas real, diferente da que existia anteriormente.

Se o luto for devidamente elaborado, dentro de um tempo razoável a pessoa enlutada pode retomar à vida em bases normais e estabelecer novas e felizes relações em substituição àquela que foi perdida.

O que é o luto patológico?

Entre as particularidades de cada caso, há uma série de fatores envolvidos que podem complicar o luto e estendê-lo além do razoável, tornando-o patológico. É mais comum que isso ocorra quando a pessoa se culpa pela morte da outra, seja essa culpa real ou não.

Toda morte intensifica nos que ficam sentimentos potencialmente patológicos, que podem encontrar reforços em fatores internos ou externos. Culpa talvez seja o principal de tais sentimentos. As perdas geralmente geram sentimentos de arrependimento, desejo de se desculpar e de autopunição reparadora. Se levadas a extremos ou se encontrarem um terreno interno propício, essas reações podem atingir uma intensidade e persistência irrazoáveis. A consequência disso costuma ser uma interminável melancolia.

Como trabalhar o luto?

Antes de tudo, e ao contrário do que algumas pessoas podem pensar, o trabalho com o enlutado não consiste em negar sua dor, mas em enfrentá-la de uma maneira saudável. Nenhuma verdade deve ser-lhe escamoteada. Dar-lhe um tranquilizante equivale a anestesiá-lo em seus sentimentos. O que pode parecer um benefício imediato representa uma desvantagem a longo prazo. O mesmo poder-se-ia dizer das crianças, quando se procura esconder delas a realidade que estão atravessando e apresentar-lhes falsas explicações.

Trabalhar com o enlutado implica em ajudá-lo a oscilar entre enfrentar a perda e restaurar a vida e a reconhecer que as lembranças do morto alternam entre momentos difíceis e emoções alegres. O esforço terapêutico deve ajudá-lo a dar sentido e esperança a uma nova vida, autônoma, sem o ente querido.

Quando a pessoa morta deixa um legado evidente, as pessoas enlutadas podem desejar segui-lo ou cultuá-lo, como forma de fazer a pessoa “continuar”. Levando essa ideia a extremos, Aristóteles existiu há 2.500 anos, mas ainda “vive” para aqueles que o seguem; Maquiavel escreveu “O Príncipe” há 500 anos, mas continua nomeando algumas atitudes como maquiavélicas; Cervantes escreveu há mais de 400 anos, mas ainda hoje se fala de atitudes quixotescas. Assim, ao morrer, as pessoas passam a uma outra forma de existência.

Veja também sobre "Depressões", "Neurose2 de angústia", "Transtorno do pânico" e "Estresse e como aliviá-lo".

 

Referências:

As informações veiculadas neste texto foram extraídas de artigos publicados pelas revistas Acta Paulista de Enfermagem e Psychiatry On Line Brazil.

ABCMED, 2019. Luto normal e patológico. Disponível em: <https://www.abc.med.br/p/1349668/luto-normal-e-patologico.htm>. Acesso em: 24 abr. 2024.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Complementos

1 Raiva: 1. Doença infecciosa freqüentemente mortal, transmitida ao homem através da mordida de animais domésticos e selvagens infectados e que produz uma paralisia progressiva juntamente com um aumento de sensibilidade perante estímulos visuais ou sonoros mínimos. 2. Fúria, ódio.
2 Neurose: Doença psiquiátrica na qual existe consciência da doença. Caracteriza-se por ansiedade, angústia e transtornos na relação interpessoal. Apresenta diversas variantes segundo o tipo de neurose. Os tipos mais freqüentes são a neurose obsessiva, depressiva, maníaca, etc., podendo apresentar-se em combinação.
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